sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Alentejo da cor do céu


Estamos, pela primeira vez, na Albufeira de Alqueva, o maior lago artificial da Europa. 
O dia está ensolarado e de clima tropical, acompanhado de uma brisa que ajuda a suportar o calor deste final de verão.
Visitamos, há momentos, a nova Aldeia da Luz que tanta tinta fez correr nos idos anos oitenta e noventa do século passado. 
Construída de raiz para albergar os habitantes da povoação homónima, que ficou submersa quando se fez a enchente da barragem, a nova aldeia é uma cópia quase perfeita das ruas e ruelas e de todo o casario e equipamentos sociais existentes na original.

A hora a que chegamos era de sesta pelo que não almejamos vivalma pelas ruas e apenas um bar, pouco frequentado, nos serviu um café de bom sabor.
A albufeira do Alqueva é um assombro. 
A enorme extensão de água, da cor do céu, dá uma beleza extraordinária a estas terras do Guadiana. 
Ao longe, avistam-se várias ilhotas desertas que emprestam à albufeira um acrescido encanto.

Pernoitamos na ribeirinha aldeia de  Pedrógão do Alentejo, pertencente ao concelho da Vidigueira. Na Praça da República, onde se situa a Igreja Matriz, concentram-se restaurantes, cafés e outros equipamentos sociais. 

Aí encontramos uma lápide com um poema do poeta popular, Francisco Bentes, congratulando-se com os homens e mulheres que, durante décadas, sonharam fixar o azul do céu na planície alentejana, para fazer crescer as sementes de trigo nos vastos campos em redor.
De facto, junto a esta pacata freguesia foi construída uma barragem, que se integra no empreendimento do Alqueva, com a finalidade de estabilizar o caudal do rio Guadiana, bem como, produzir energia eléctrica e abastecer de água de rega este belo Alentejo da cor do céu e com horizontes de restolho dourado da terra quente.
Por aqui respira-se a tranquilidade que nos falta no dia-a-dia das cidades que habitamos. 
As ilhas doiradas, que se espelham na lonjura, parecem segredos esquecidos por entre águas de fantasia.
O sol quente, que se capricha por cá, aconchega a vida numa espécie de ilusão de paraíso. 
E apetece mergulhar nestas águas, quase estagnadas, e embebedar-mo-nos desta paz tão próxima da maresia.
A noite cai e com ela o silêncio espalha-se por todo o lado. Só um leve rumor se agita nos arbustos prateados pelo luar deste belo recanto do meu país.

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

lonjuras do pensamento ...


 
Aportamos em Fátima, uma vez mais, neste início de Setembro. Por cá o calor derrete os corpos e até o kiko parece abafar, preso ao capote de espesso pêlo castanho que usa em todas as estações.
A aragem que nos visita não acalma o ambiente tropical de cerca de quarenta graus centígrados. É à sombra de um arbusto, que julgo ser uma azinheira, que escrevo esta crónica de viagem.
Há momentos, recebemos uma chamada dos nossos infantes, a saber se tudo estava bem connosco. É muito reconfortante, de quando em vez, ouvirmos a voz dos «putos» partilhando emoções de proximidade. Fica-se com a doce sensação de que a vida tem mais sentido quando nos deleitamos no abraço de ternura que cimenta o núcleo de afectos.
Só mais logo, pelo entardecer, iremos percorrer os locais simbólicos desta terra de fé, sobretudo, a Igreja da Santíssima Trindade, a Capela das Aparições e o Santuário.
Apesar do calor, pela longa estrada do norte, vimos inúmeros peregrinos em direcção a Fátima, num imenso sacrifício de abnegação e fé. O que nos deixa a cismar nas razões desta emocionante persuasão que, ano após ano arrasta, estrada fora, centenas de milhares de fiéis marianos.
Fátima é um local aprazível ao corpo e à mente. Os silêncios que por aqui se respiram transportam-nos para lonjuras do pensamento. É uma quietação que interroga a nossa vivência colectiva. Porventura, sensibilizados pelos rostos devotos e imagem icónicas de uma das maiores referências do culto mariano que continua atrair gente do mundo inteiro.
Sem dúvida que a Igreja agarrou bem a memória das três crianças que, há cerca de cem anos, traziam os animais a pastorear neste local ermo. Depois, uma história de surgimento de sinais no sol desaguou, com a ajuda do prelado da época, numa visita da «Mãe de Deus» com mensagens que constituíram, durante décadas, um «segredo» bem guardado. Porque importava criar uma atmosfera de incerteza do desconhecido para melhor alicerçar o mito.
Fátima cresceu graças a esse mito. E a economia local muito beneficiou, desde logo, com as dezenas de lojas de venda de «artigos sagrados» que os peregrinos compram como testemunho da sua presença neste recinto.
No entanto, mesmo que a fé esteja arrefecida ou, há muito renegada, não se consegue ficar indiferente aos genuínos testemunhos que por aqui se espalham.