sábado, 21 de agosto de 2021

A essência do tempo










 


 

«O tempo é um rio formado pelos eventos, uma torrente impetuosa. Mal se avista uma coisa, já foi arrebatada e outra se lhe segue, que será carregada por sua vez.»

Marco Aurélio (imperador romano), in «Meditações»


Há um tempo para tudo, diz o povo, e com razão.

Há o tempo da inocência, primeira veste da nossa alma, que se impõe naturalmente na alvura dos nossos dias. É um momento idílico da vida caracterizado pelo crescimento, maturação e desenvolvimento psíquico. É o tempo de olhar o mundo sem sentir a sociedade, de sonhar fantasias várias e de pressentir a ternura nos gestos de quem nos protege.

Segue-se, depois, o tempo da descoberta, do olhar desassombrado e frágil para os fenómenos que giram à nossa volta. É o tempo dos ideais e valores, da afirmação da personalidade, da irreverência, da aprendizagem livresca, da afirmação do carácter e das escolhas que estruturam e condicionam o futuro.

O tempo do desencanto antecede o da frustação em que, não raras vezes, o sonho transforma-se em pesadelo. Com o passar do tempo, emergem desilusões várias, desde logo, com amigos e companheiros de jornada. Competição, intrigas, traições e cobardias desfazem quase tudo que tínhamos por adquirido.

Depois, há um tempo que mais nos deprime, o tempo do fim: o desaparecimento dos nossos afetos maiores vira do avesso a vida e, por vezes, gera o caos e a tormenta. Há os que aguentam esse tempo com audácia, os que se perdem por entre mágoas sombrias arrastando os que lhes são próximos pelas águas turbulentas da inquietação.

Esta ilusão de instantes mágicos, que é a vida, é a verdadeira essência do tempo!

CG


sexta-feira, 20 de agosto de 2021

Poeira no vento!

 




«I close my eyes only for a moment, and the moment's gone. All my dreams pass before my eyes, a curiosity»

Dust in the wind (Kansas)



Que bela canção e que letra tão profunda de emoção: «Dust in the wind». A nostalgia dos sons e a relevância do poema conduz-nos para bem longe do nosso deserto pacífico.

Ao dispensar atenção ao bulício do quotidiano, perpassam pensamentos de roupagem multicolor. O presente obriga-nos a olhar em frente e a abandonar o passado esmaecido do nosso destino.

Tudo o que vivemos deixa de ter valor e significado mais à frente. A natureza em flor, os sussurros do vento, as melodias das aves vagabundas, o sol claro e morno da tarde deixam de ser pontos de referência quando o tempo se esgota por entre pensamentos furtivos sobre o significado da vida. 

«All we are is dust in the wind»!

CG


quarta-feira, 18 de agosto de 2021

Chamamento do mar!

 














O furor esbranquiçado das águas deste oceano de sonho prenuncia um tempo de luz e magia. Nada como o sol para aconchegar e amaciar o ambiente neste final de viagem que não cumpriu o planeado.

Mas, o que menos importa é de onde se parte ou em que lugar se chega. O que mais fascina é o caminho!

Viajar é sentir o mundo à flor da pele, é partir e voltar, deslumbre e sacrifício, descoberta e paixão e, a todo o momento, novos horizontes conquistados. 

Nada se compara à emoção de ser peregrino na própria viagem, de sentir o mundo pelo olhar dos outros e desvanecer nos ventos de feição a liberdade de viver.

Após alguns dias de itinerãncia, aportamos na nossa Vila Praia de Âncora para matar saudades de um tempo recuado e carregar o sol que nos faltou nos últimos dias. É aqui que gostamos de ancorar sempre que respondemos ao chamamento do mar!









Esta terra fez-se refúgio quando o futuro ainda estava longe. É para cá que desejamos vir quando o presente deixar de ter sentido e o passado se desfizer em memória.

Um dia, numa conversa informal sobre a vida, Narciso e sua companheira de vida decidiram isso mesmo: as cinzas serão parceiras destas rochas habitadas pelo mar.

Porém, a concordância da consorte fez-se acompanhar de um sussurro de preferência pelas zonas mais firmes de mar chão, por nunca se ter compatibilizado com águas profundas. 

Narciso sorriu pelo inusitado desejo já que nessa altura nada mais importa e todos os medos dissiparam-se lá atrás. Mas, assim será!

CG


segunda-feira, 16 de agosto de 2021

Tui - uma cidade surpreendente!


De Paredes de Coura a Tui percorre-se cerca de trinta quilómetros, por entre montes e vales polvilhados por um casario granítico e, de onde a onde, mansões senhoriais rodeadas de vegetação abundante.

A cidade de Tui, que sobe a colina da margem direita do Rio Minho, frontal a Valença foi, em tempos remotos, sinónimo de chocolate, caramelos e outras guloseimas para os visitantes fugazes da outra margem.

Nos dias de hoje é o combustível mais em conta que seduz os portugueses raianos ou em viagens de proximidade.


A primeira impressão que Tui deixa ao visitante é a de uma cidade medieval, graças à arquitetura do edificado, quase todo em granito e de notável conservação.

É um prazer percorrer as suas ruelas e calçadas, ora mais estreitas, ora mais largas, mas sempre apresentando a peculiar traça milenar.

Percebe-se bem a razão porque a cidade foi declarada conjunto histórico-artístico espanhol, por apresentar um estilo medieval e por mérito do seu rico património arquitetónico cujo expoente maior é a catedral românica e gótica, Santa Maria de Tui.


Lá em baixo, avista-se um espelho de água longo e sereno, o Rio Minho, que parece reflexivo e consciente da sua missão de unir os dois países até desaguar em terras lusas. 

 É, sem dúvida, uma cidade surpreendente!

CG


sexta-feira, 13 de agosto de 2021

Aventura falhada

 















                                                                                                                                        CG

Visitamos, pela primeira vez, Paredes de Coura, lugar mítico que acolhe, desde 1993, um dos maiores festivais de música em Portugal, evento que atrai milhares de entusiastas deste tipo de espetáculos de verão. Pernoitamos na área de serviço de autocaravanas, preparada a preceito há alguns anos, mas que, presentemente, tem a maioria dos serviços desativados. Uma pena!

Paredes de Coura é uma típica Vila do interior do Minho, banhada pelo rio Coura, um pequeno curso de água límpida que serpenteia estas terras de múltiplos encantos naturais. Por ali, a pandemia tem feito caminho, a ponto de obrigar ao encerramento de alguns serviços municipais, tais como o Museu Regional.

Como parte da fachada é envidraçada, deu para espiar algum do seu acervo, como um encantador tear rústico de madeira que, num instante, despertou memórias da minha avó materna, a quem chamava de «mãezinha». 

Ao admirá-lo, uma enxurrada de emoções emergiram em meu espírito, a ponto de quase ouvir de novo o mágico «toque, toque, toque» da braçadeira do pente a arrastar os fios da teia com que se produziam as mantas e os tapetes.

Para além dessa atividade artesanal, a minha avó era dona de um belo quintal de onde obtinha as verduras necessárias ao dia-a-dia e colhia uma apreciável variedade de frutos da época. Como a sua descendência de segunda e terceira geração era abundante, acontecia que os frutos desapareciam como por magia. Daí que fosse seu costume colocá-los a madurar numa varanda sempre vigiada para que nenhum intruso se enamorasse deles.

Vivia ainda a infância da vida e já me aventurava a entrar, de quando em vez, no espaço proibido da casa da avó e, ouvindo o costumeiro «toque, toque, toque» no andar inferior da moradia, caminhava ao som dos balanços da travessa do tear a fim de mitigar o ruído dos meus passos no soalho de madeira e alcançar o «fruto proibido». 

Um dia, quando já estava à entrada da varanda, surgiu a mãezinha que, com um sorriso de «gioconda», afirmou: - Afinal és tu o mandrião!

Admirado pela inesperada aparição, constatei depois que ela, enquanto se aproximava da varanda, simulou o «toque, toque, toque» batendo com uma vara nas escadas que ali desaguavam. O constrangimento que senti foi suficiente para pôr fim àquela aventura falhada.

CG

terça-feira, 3 de agosto de 2021

O bajulador

                                                                                                                                         in Blog Caiçara



Neste tempo de chumbo por que passamos, foram muitos os festejos que ficaram adiados. Nas aldeias mais rurais deste pais, as festas e romarias sempre funcionaram como um escape de liberdade e alegria e uma brisa de descontração a insuflar a alma para fazer frente a mais um ano de trabalhos e canseiras.

Numa animada conversa, sobre este assunto, Narciso destacava de maior importância a festa da Páscoa na sua aldeia, pelo alvoroço e entusiasmo que suscitava nas pessoas e, sobretudo, nas crianças.

Lembrava-se de, ainda menino, se deleitar com a turma do «compasso pascal», tradição arreigada em terras minhotas, baseada num ritual que se traduz na visita, pelo pároco, com a ajuda de mordomos e outros auxiliares, às casas dos paroquianos, levando a cruz a anunciar o Cristo ressuscitado.

Narciso era interno dum colégio religioso, daí que o padre da aldeia sempre reclamava a sua presença nessa liturgia, dando-lhe a função de recolher num saco as esmolas oferecidas a um santo de que já não recordava o nome. 

No final do beija-cruz em cada lar, gostava de apreciar as mesas, repletas de doces, frutas, guloseimas e vinhos finos, expostas para consumo dos integrantes do grupo do compasso.

Em determinado ano, quando tinha cerca de doze-treze anos, o compasso entrou na casa de um paroquiano, que vivia do seu ofício de cesteiro, e que era um conhecido puxa-saco do «senhor abade». 

Inesperadamente, aquele anfitrião abeirou-se do pequeno Narciso, pensando que era o sobrinho do padre, o Arturinho, e iniciou todo um cerimonial de bajulação e afagos em voz suficientemente sonora para que o padre pudesse ouvir.

Narciso estava agradado com os elogios e os mimos do artesão, mas, perante a insistência em confundi-lo com o sobrinho do padre, respondeu-lhe timidamente: - Eu não sou o Arturinho!

Embasbacado, o bajulador levantou-se num ápice, perguntando: - Então de quem és tu?

Como constatou que estava perante um garoto de origem humilde, descartou-o de imediato com o semblante constrangido pelo engano e enfadado pela perda de tempo com um puto irrelevante. 

No espírito daquele imbecil acantonou-se o ciúme por Narciso, apesar dos parcos recursos da família, ser um dos poucos rapazes da aldeia que tinha escapado aos trabalhos braçais e rumado a um colégio para se dedicar aos estudos.

Narciso ficou triste e melancólico, pelo inesperado da situação, e ficou-lhe para sempre gravado na memória este obscuro episódio da sua vida. Até porque, como muito bem reza, a propósito, um ditado popular: «Fere mais a língua do adulador do que a espada do perseguidor».

CG

segunda-feira, 2 de agosto de 2021

A diversidade do meu pequeno pomar ...

 


Apesar das fruteiras serem muito jovens, este ano a colheita parece compensar um pouco mais...

  
Mais do que a maior ou menor quantidade de frutos para consumo próprio, a sua qualidade espelha a dedicação como as plantas são tratadas e amimadas no dia-a-dia. 

             
   

Para além de retribuírem para uma alimentação saudável, as frutíferas proporcionam uma relevante qualidade de vida aos que lhes dedicam o tempo e os nutrientes imprescindíveis ao seu desenvolvimento, pois, é adquirido pela ciência que viver perto da natureza melhora e aumenta a saúde mental e os padrões de atividade física. 


CG