sábado, 30 de abril de 2011

Há um tempo...

Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas ...
Que já têm a forma do nosso corpo ...
E esquecer os nossos caminhos
que nos levam sempre aos mesmos lugares ...
É o tempo da travessia ...
E se não ousarmos fazê-la ...
Teremos ficado ... para sempre ...
À margem de nós mesmos...

Fernando Pessoa.

 Foto: Google Imagens

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Turismo de proximidade

Um destes dias, dei comigo a «viajar» por entre vários blogs que, com denotado entusiasmo, nos falam de viagens, apresentam experiências vividas, partilham percursos e locais de maior segurança e nos animam a prosseguir o sonho de olhar o mundo no conforto de uma autocaravana.
E o que impressiona é a enorme generosidade, o altruísmo, a simpatia e o espírito de grupo e de inter-ajuda que a tribo do autocaravanismo promove.
De tudo o que interessa a um autocaravanista saber, desde os alertas na condução, à manutenção da casa sobre rodas, aos locais e itinerários mais aconselhados, à forma de estar em comunidade, tudo está publicado, sendo apenas necessário pesquisar na Internet.
De lá, podemos, inclusivamente, ter o prazer de acompanhar o dia-a-dia de uma viagem, mais ou menos longa, usufruindo de imagens de locais exóticos ou distantes e perceber as aventuras por que passa o autocaravanista a nível da língua e cultura, dos percalços com os itinerários, das pontuais avarias do equipamento, dos percursos e locais de descanso e pernoita, entre outros aspectos.

Sou novato nestas andanças. Embora tivesse alimentado, anos a fio, o sonho de me fazer à estrada nesta modalidade de turismo em liberdade. Daí que, nos últimos meses, tenha passado dezenas de horas a «olhar» e a admirar as aventuras de muitos companheiros por esse mundo fora, tomando notas, por vezes perdendo-me de encantos com algumas descrições e aprendendo sempre com a experiência de tantos que se fazem à estrada.
Antes de aportar aqui, não imaginava que este fantástico mundo do autocaravanismo fosse tão sedutor, apaixonante, acolhedor e promotor de qualidade de vida. Poder estar em territórios previamente escolhidos pelo sonho, ousar percorrer países acolhedores ou mais agrestes, contactar com culturas e civilizações diferentes, provar da gastronomia característica das regiões que visitamos, dormir com a certeza de ouvir o ronronar do mar e sentir o cheiro da maresia, acordar ao som da natureza mais ou menos selvagem, contemplar paisagens que sabíamos existir apenas por imagens dos media, estar despreocupado de pressas ou stress e feliz com a ausência do bulício das rotinas a que nos tínhamos acostumado… é bom demais!
Não será por acaso que sempre que confidencio, a algum amigo ou conhecido, que já adquiri a «Micha» dos meus sonhos… é sempre do sonho que falam de um dia poderem, também, viajar numa casa sobre rodas.
É de uma autêntica casa rolante que falamos quando o autocaravanismo é assunto de conversa. Considero, até, que os anglo-saxónicos estão bem melhor quando apelidam a autocaravana de «Motorhome». Porque, apesar de em ponto pequeno, ela contém tudo o que uma casa deve ter: cozinha, sala de estar, sala de refeição, quarto de banho, zona de dormir, televisão, aquecimento, frigorifico, dispensa e guarda-roupa, entre outros requisitos.
Generosidade, partilha, companheirismo, inter-ajuda, comunicação e espírito de grupo, são conceitos que o autocaravanismo entranhou ao longo do tempo. Não é de admirar, pois, que esta modalidade de turismo de proximidade esteja em franco crescimento. Sobretudo, pela vertente de promoção de qualidade de vida.
Carlos da Gama
 Foto: Google Imagens

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Liberdade, liberdade!

Hoje comemora-se o dia da libertação. Foi há cerca de quarenta anos que uma generosa geração de capitães libertou o país de um dos períodos mais negros da história contemporânea: a ditadura do Estado Novo.
Um regime que se impunha pela opressão em vez do desenvolvimento do país. Um regime suportado por políticos subservientes e uma polícia política denominada de «defesa do Estado» que, a troco das suas benesses, tudo fazia para esconder os ventos de democracia que, após a Segunda Guerra Mundial, se faziam sentir em grande parte dos países da Europa.
O 25 de Abril foi um movimento de libertação das mentalidades e dos sempre reprimidos direitos sociais e políticos. Constituiu a alvorada da democracia e da liberdade num país onde a repressão se exibia com mãos de ferro e a sociedade começava a não compreender as razões de uma guerra colonial que levava os seus filhos para terras distantes sem a certeza do seu regresso. Um país demasiado empobrecido, com uma economia baseada na agricultura de subsistência e sem perspectivas de futuro. Um país que assistia conformado ao êxodo de novos e velhos que partiam para outras paragens em busca de melhores condições de vida.
Mas, sabemos hoje, o regime só apodreceu de vez com a deterioração da guerra em África e a crescente tomada de consciência de muitos responsáveis das forças armadas pela impossibilidade de uma vitória militar. Daí a Revolução do 25 de Abril de 1974.
Nessa data, encontrava-me na Guiné, numa das regiões onde a preponderância militar do PAIGC - movimento de libertação da Guiné e Cabo Verde - mais se fazia sentir. Embarquei em Setembro de 1973 integrado num Batalhão de Cavalaria. Numa altura em que se assistia à polémica substituição do Governador da Guiné, posto até então assumido por aquele que viria a tornar-se numa das figuras mais controversas do Movimento dos Capitães: o General António Spínola.
Logo que cheguei àquele território ultramarino, apercebi-me do equívoco que representava a nossa presença em África. Na Guiné, para onde me tinham enviado, foi quase imediato o assombro que tomou conta de mim pela certeza de que o movimento local de libertação detinha o controlo estratégico militar. As tropas portuguesas estavam praticamente cercadas, acantonadas a escassas zonas territoriais, munidas de um armamento obsoleto quando comparado com a crescente modernização do material de guerra utilizado pelo PAIGC. Enquanto os militares portugueses dispunham de material de guerra utilizado na Segunda Guerra Mundial, o PAIGC detinha já um armamento altamente sofisticado que lhe era garantido por alguns países do leste europeu.
O 25 de Abril de 1974 foi um movimento muito saudado pelas tropas portuguesas do contigente da Giné. Quando, na manhã desse dia, o Furriel Vagomestre da minha Companhia correu para a messe dos oficiais a anunciar o que tinha ouvido há minutos na rádio, uma alegria contida tomou conta de todos nós. E eram vários os grupos que, a partir daí, se apinhavam em volta de uma radiofonia. A avidez pelas notícias era imensa. E quase todos rezavam pelo sucesso do movimento dos capitães.
Vai já longínquo esse dia de importância vital na vida de milhões de portugueses. Sem o 25 de Abril, não tenho a certeza se estaria aqui nem se o meu país teria usufruido do enorme desenvolvimento económico e social conseguido nas últimas três décadas. Nem tudo correu pelo melhor: mas o resultado final é, sem dúvida nenhuma, muito positivo.
Com certeza que não podemos ignorar as dificuldades que hoje enfrentamos a nível económico e social. Sem dúvida, um desafio que lembra os tempos difíceis que o país sempre enfrentou ao longo dos seus mais de oito séculos de história. Com inegável sucesso, é bom que se diga!
Tal como na natureza, também existem ciclos nas sociedades. E se, a seguir ao Inverno vem a Primavera, eu quero acreditar que, apesar das dificuldades presentes, vamos ter sucesso no próximo futuro. Em liberdade!
Carlos da Gama
 Foto: Google Imagens

sábado, 23 de abril de 2011

farricocos e fogaréus

Há momentos cheguei da casa de minha mãe. Visito-a, quase sempre, todos os sábados. Hoje, a visita teve lugar na Sexta-Feira em que Braga comemora o «Enterro do Senhor» com uma procissão de farricocos, fogaréus, reco-recos, pés descalços, figuras ancestrais e silêncios respeitosos da assistência. São as tradições da «Semana Santa» que perduram na memória dos tempos. Apesar do vertiginoso desenvolvimento tecnológico das últimas décadas. E ainda bem que assim é!
Sempre me impressionaram estas tradições de sofrimento. Estas procissões fantasmagóricas. Este caminhar sizudo e cadenciado ao som do matraquear ousado dos varões dos andores e à luz das lucernas com cheiro de resina e incenso. Todo um contexto que parece destinado a lembrar ao homem que o sacrifício e a dor física e psíquica fazem parte intrínseca desta vida. E que a felicidade terrena não é prioritária pois só o sacrificio prepara a glória celeste na eternidade. Uma pena que assim seja...uma pena!
Em tempos já recuados, participei, como figurante, desta procissão da noite de Sexta-Feira Santa, percorrendo as ruas principais do centro histórico de Braga. Sob os olhares da população que, com chuva ou com tempo seco, sempre se apinha nas alas dos caminhos citadinos por onde passa o caixão de Cristo. Impressiona o recolhimento, quer dos bracarenses, quer dos milhares de turistas que rumam a Braga nesta época, perante os símbolos feitos memória de um tempo que, apesar de já longínquo, mantém a força da fé e da religiosidade.
Todas estas festividades e efemérides ganharam, ao logo dos tempos, uma tal dimensão que fazem de Braga um dos principais centros religiosos do país. Não sendo por acaso que a cidade há muito que é conhecida como a «Roma Portuguesa» e como a, não menos simbólica, «Cidade dos Arcebispos».
Carlos da Gama
 Foto: Google Imagens

sexta-feira, 22 de abril de 2011

A nossa casa comum!

Adquiri a «Micha» há três semanas apenas. Ela já me proporcionou sensações de liberdade quando me permitiu ouvir o som do mar e o cheiro a maresia. Quando a noite, vestida de luar, se fez acompanhada pelo ronronar da rebentação e a madrugada nasceu de sol aberto e vento sereno e acolhedor.
Foi um dia breve em A-Ver-O-Mar. Com passeio pela marginal ao romper do dia. O baptismo dessas andanças, que se fizeram sonho desde a juventude, não podia ter sido melhor. Pela primeira vez peguei na Micha e rumei para junto do mar. Onde me sinto acolhido quando a praia fica deserta de gente e o horizonte ganha um olhar a perder de vista.
Desde aí, a Micha tem ficado por casa: no local que foi propositadamente preparado para a receber. Visito-a diariamente para que melhor se sinta integrada na família. A burocracia da transição para a minha posse e a dependência, ainda por alguns longos meses, das rotinas laborais, tem impedido que a desfrutemos como é o meu desejo e o da companheira de toda a vida.

Micha

Acolhedora quanto baste, a Micha sente-se preparada para percorrer mundo …  na busca da magia do contacto com a natureza, do convívio com outros povos e culturas e da sensação de pertença mais alargada ao planeta. Como pensava o Sócrates da antiguidade grega, também me sinto mais cidadão do mundo do que europeu ou português. No tempo em que as comunicações estão à velocidade da luz, as fronteiras terrestres são uma versão caduca dos quintais que a idade média reforçou. Hoje, não fazem mais sentido. As fronteiras terão que ser substituídas apenas pelo respeito que a dimensão cultural dos povos merece. Porque o planeta é a nossa casa comum que é preciso usufruir em liberdade e respeito.
Carlos da Gama

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Morre lentamente quem não viaja

"Morre lentamente quem não viaja,
quem não lê,
quem não ouve música,
quem destrói o seu amor-próprio,
quem não se deixa ajudar.


Morre lentamente quem se transforma escravo do hábito,
repetindo todos os dias o mesmo trajecto,
quem não muda as marcas no supermercado,
não arrisca vestir uma cor nova,
não conversa com quem não conhece.


Morre lentamente quem evita uma paixão,
quem prefere o "preto no branco"
e os "pontos nos is" a um turbilhão de emoções indomáveis,
justamente as que resgatam brilho nos olhos,
sorrisos e soluços, coração aos tropeços, sentimentos.


Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz no trabalho,
quem não arrisca o certo pelo incerto atrás de um sonho,
quem não se permite,
uma vez na vida, fugir dos conselhos sensatos.


Morre lentamente quem passa os dias queixando-se da má sorte ou da
chuva incessante,
desistindo de um projecto antes de iniciá-lo,
não perguntando sobre um assunto que desconhece
e não respondendo quando lhe indagam o que sabe.


Evitemos a morte em doses suaves,
recordando sempre que estar vivo exige um esforço muito maior do que o
simples acto de respirar.
Estejamos vivos, então!»

Pablo Neruda
 Foto: Google Imagens

terça-feira, 19 de abril de 2011

Recomeçar...

Cá estou, no início da viagem que pretendo fazer com este meu blog. Dei-lhe vida há momentos e já sinto uma grande vontade de lhe transmitir as impressões que tomam conta de mim.
Tal como um filho que decide nascer, também este espaço de intervenção e repositório de emoções, precisa de especial atenção.
Venho do nada, de uma vida cheia de tudo, de um sem-fim de intervenções e vivências!
Caminhei, desassombradamente, por montes, planicies e vales de que se faz uma vida . Acreditei sempre no ser humano e embrenhei-me por caminhos que me deram a conhecer pessoas fantásticas, momentos inesquecíveis e figuras menos generosas e, por vezes, patéticas.
Durante o tempo que me foi dado viver, até ao momento, foram inúmeras as «vidas» que tive de enfrentar... desde uma infãncia de carências próprias da época, à guerra em África, à constituição de uma familia com dois magnificos rebentos, à experiência de pertença a uma tribo até à vida na selva laboral.


Cheguei aqui com vigor mas determinado a mudar de vida! Depois de tudo o que vivi, considero ter chegado o momento de recomeçar, de novo!
Venho de longe... de muito longe! Transportando idêntica  nostalgia que o José Mário Branco colocava na voz da melodia da minha juventude tardia. O que eu andei para aqui chegar, meu Deus!...
Aterrei, hoje, neste blog, construído por necessidade. Sempre precisamos de repor energias duma vida agitada... quando demasiado agitada por outros, que não nós mesmos!
E recomeçar, de novo! Recomeçar uma nova e decisiva fase: colocar no baú das memórias tudo o que vivi...mantendo, apenas, em lugar seguro, o espaço de conforto, a que me dediquei toda a vida com inegável sucesso, a minha familia nuclear. A que regresso sempre com paixão!
Concretizando um dos sonhos de sempre, adquiri, recentemente, uma autocaravana a que dei o nome da minha saudosa e fiel cadela: «Micha». Muito confortável e de modelo agradável, ela aguarda apenas uns meses para que eu e a companheira de sempre possamos largar o trabalho para nos fazermos ao caminho. O nosso destino é correr mundo, até que o possamos fazer!

Carlos da Gama
 Foto: Google Imagens