terça-feira, 28 de outubro de 2014

Esposende de Outubro





Chove muito em Esposende. A manhã vai a meio. Viemos para cá na expectativa de uma caminhada pela marginal deste belo recanto do Minho. 
O mar balanceia em contínuo as suas águas que sobem a praia em cadências de tempo certo perdendo-se com alva e ilusória palidez.
A meu lado, a companheira de uma vida lê notícias requentadas em revistas que sempre nos acompanham. No banco de trás, Miguel Torga aguarda que eu termine este desabafo para lhe absorver a vida que descreve nos seus «Diários» que, como o próprio refere, «espelha as próprias ondulações do meu espírito». É um escritor que amo, não só, pela prosa cativante, mas também, pela forma como desenrola os seus dias em contacto com a natureza humana. Conta histórias como se o leitor fosse um companheiro de jornada e as suas inquietações são como um mar que, ora se mostra de humor encapelado ora manso de afectos por toda a paisagem humana ou geográfica que o rodeia.
A música da «Rádio Comercial» continua a inundar o ambiente interior da viatura onde nos deslocamos. Lá fora, a chuva, fria de Outono, cai desamparada pelo vento enquanto o mar prossegue a sua labuta de agitação das águas num esforço sem descanso.
Ao recinto chegam, de vez em quando, almas solitárias que, após cismar o largo oceano, se aventuram numa breve espreitadela das ondas, cada vez mais donas da praia.
O café fronteiro ao mar aguarda pela chegada do meio-dia na esperança de que viajantes famintos lhe façam companhia. Neste ambiente cinzento de um Outono demasiado invernoso!

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

fragâncias de maresia







É sempre um enorme prazer aportar em Porto Covo. Uma vila asseada, com alargada vista para o mar. 

Em Setembro já não existe o rebuliço de veraneantes e os lojistas estão mais nostálgicos pela quebra de freguesia. 

Mas a paisagem de mar, por cima das falésias, transporta a alma para sonhos de maresia que rejuvenescem a alma. 

Depois de uma noite bem dormida, regressamos à estrada. 

A primeira paragem, para almoçar, foi na Lagoa de Melides. 
A extensa praia circundante estava quase deserta, apesar do calor intenso que se fazia. 

Deu para passear junto da rebentação e só não entramos no mar devido à forte agitação das águas. 
Mas maravilhamo-nos com o azul-turquesa do oceano. 

O dia terminou num passeio até ao Resort de Troia e a pernoita na AS da Comporta. Ficam as saudades do litoral alentejano, onde regressaremos sempre que a nostalgia e as fragrâncias de maresia o exigirem.

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

liberdade quase solitária





Aljezur, uma pequena vila a caminho do litoral alentejano, carregada de história e de nostalgia de tempos ancestrais. 

Que o diga o castelo que se exibe no alto da colina e o riacho que já foi estrada de barcos de médio porte, que por aqui aportavam, transportando mercadorias de terras longínquas.

A passagem de uma manada de bois, bem pelo meio de Aljezur, desperta-nos para a realidade rural da sede deste concelho. 
 
Essa efectividade é mais visível quando subimos ao castelo mourisco, donde se alcança uma vista alargada da topografia da região e se experimenta uma incontida sensação de paz e liberdade.

Após uma noite calma, no parque de AC por detrás do mercado municipal, partimos em direcção a Porto Covo.

Pelo caminho, não resistimos a descobrir a Praia do Carvalhal, que já há muito desejávamos. 

Foi uma agradável surpresa. Ali chegamos, ainda a manhã ía a meio. 

Apenas vislumbramos um pequeno «iglo», acantonado à falésia, donde um jovem casal saía, ainda sonolento e meio desnudado.

Estava maré-baixa. A larga porta de entrada do mar, por entre imponentes falésias, o fino areal espalhado terra dentro, as águas translúcidas e cálidas, emprestavam ao local uma aura mística de paraíso na terra.

A pouco e pouco, foram chegando alguns veraneantes, estrangeiros na sua maioria, para fruir de um dos mais belos recantos do litoral português.

Não saímos dali sem um demorado mergulho naquelas águas mornas, numa liberdade quase solitária, com um dia ensolarado que aumentou a fruição do momento.

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Olhar em frente






Encontravam-se junto à praia, no conforto do VW Golf, ouvindo a RFM e o som mortiço do mar que, naquele dia, estava mais cavado e meio escondido por uma névoa cinza.
As notícias davam conta da recente tragédia: um naufrágio de pescadores no mar da Galiza. 
Nem por acaso, a localidade onde estavam era fértil em naufrágios que, em cada ano, arrastavam jovens e velhos pescadores para as fatalidades bem conhecidas das gentes do mar. A conversa acantonou-se por ali, desaguando, inevitavelmente, no sentido que damos à vida.
Corremos, corremos sempre, sem vislumbrarmos atrás de quê. Sem nos apercebermos que os dias passam devagar mas os anos passam depressa. 

Quando, por vezes, olhamos para o caminho já trilhado, descobrimos a razão da contínua flacidez dos músculos e do quebradiço do corpo. 
De repente confirmamos que já passou um par de décadas, sem darmos conta. 
Apenas pelo crescimento dos afectos e pela decadência progressiva dos nossos maiores é que melhor assimilamos a condição humana.
Quando, ainda menino, observava os adultos, condescendia que já tinham subsistido muito tempo e que o seu desaparecimento constituía um processo justo. Já tinham vivido tanto, pensava!
Hoje sente que assim não é. Descobre que só muito raramente o desgaste do corpo acompanha o da mente. E, perante um tempo médio de vida tão curto, interroga-se sobre se o estilo de vida por que optamos valerá a pena. 
Questiona, mais que nunca, se damos valor aos pequenos instantes, como, por exemplo, olhar o mar e as inquietações das suas ondas. 
Ou sentir a vertigem do vento, os mistérios da noite e o assombro das montanhas. 
Ou ouvir o calmo marulhar das aves e gozar a volúpia do sol que esverdeia as plantas. 
Ou, ainda, deslumbrarmo-nos com a pujança da primavera, os matizes outonais e o eterno recomeçar, após o recolhimento da noite húmida e fria. 
E, sobretudo, se damos a devida atenção aos nossos afectos nucleares.
Por vezes, sentimo-nos sós na encruzilhada da vida porque não sabemos aproveitar o essencial. Desnorteados e atónitos, sentimo-nos perdidos. Parece que desaprendemos a olhar em frente. A caminhar com solidez. A dar atenção apenas ao que vale mais a pena. Sobretudo, ao deleitamento dos afectos.
Como escreveu Antoine de Saint-Exupéry, «Só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos».