Num silêncio envolto em saudade, tenho visitado,
nos últimos tempos, a casa que foi o berço onde nasci, o canto de afectos partilhados
e onde encontrava a mãe sempre de gesto meigo e acolhedor.
Logo que chegávamos, manifestava preocupação com
pormenores que acrescessem aconchego à nossa presença. Por exemplo, na época do
frio, fazia questão de atiçar um pouco mais o fogão, acrescentando-lhe lenha
para que o ambiente exibisse maior conforto. Depois, seguia-se um convívio
feito de diálogos, quase sempre repletos de memórias vivas do passado da
família e que, fatalmente, desaguavam nos afectos que tinham precocemente
partido.
Era nesse espólio de memórias que o tio Hilário e o tio Armindo emergiam
como figuras de cartaz das lembranças de saudade. Tinham sido os irmãos mais
queridos com quem partilhara uma vida feita de sacrifícios, penúria
económica, incertezas e inquietações, aqui e ali, salpicada com intervalos de
felicidade fraterna.
A mãe revelava tanta preocupação pelo bem-estar dos
filhos que, por vezes, roçava a obsessão. Mas era o seu jeito protector e de
desvelo, sempre vigilante, para que os seus rebentos fruíssem de uma vida feliz.
Até que chegou a sua vez de partir. A dor da sua
ausência acantonou-se no quotidiano dos afectos mais próximos e que agora
partilham uma saudade feita de desgosto e de mágoa. Mas permanece a memória de
um sorriso sempre embrulhado em ternura e numa suave inquietação que só
sossegava quando conferia que a vida dos seus filhos seguia o curso normal. Subsiste,
também, a casa que habitava que, ao longo dos anos, transformou num aprazível
ponto de encontro e num refúgio de maternal afeição.
A nossa mãe era o cimento que agregava as
contradições que emergiam na variedade de temperamentos da sua prole. Era o mar
onde desaguava o turbilhão de alegrias e tristezas, de insucessos e conquistas
ou de derrotas e vitórias de toda a sua familia. Dela obtinha-se sempre
uma palavra de incentivo, de apoio, de solidariedade e de ternura. Nunca de
admoestação.
Hoje, a casa da mãe está vazia. Já lá não mora a
rainha de afectos e a conselheira de todos os momentos. Quando lá entro,
comove-me a solidão da cadeira onde sempre a encontrava. O próprio fogão parece
estranhar o ambiente gélido a que não estava habituado. Perturba-me não ouvir a
sua voz meiga a relembrar as histórias, mais alegres ou soturnas, que a sua
longa vida partilhou. E o arrebatamento, misto de orgulho e ternura, quando
falava da sua neta mais presente, a Ana Maria. Torturo-me por já não lhe poder responder
que o Carlitos e a Joaninha são netos felizes e que muito a admiram. E por já
não lhe ouvir as novidades dos meus irmãos de França.
E invade-me uma imensa tristeza por já não lhe perceber a ternura, forrada em desejo, que colocava no desabafo, tantas vezes repetido: «- a Leonor deve estar a chegar!».
Uma das preocupações que comigo partilhou foi
sobre o destino da casa onde sempre vivera, evidenciando o desejo que a mesma não fosse
alienada. Esse seu anseio será concretizado, pois, a casa não será negligenciada
ou abandonada. Continuará a ser um ponto de encontro e um repositório de
emoções. Ali nos reuniremos num abraço fraterno e na partilha de afectos dos
que mais contam nas nossas vidas. Continuará a ser a casa da mãe!