terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Saudades de Azurara!

 

Dentro da Micha, ouço melodias de sempre da década de setenta. 

Em frente, avisto a cidade a bordejar o rio calmo contrastando com a agitação marítima a menos de cem metros. 
 
Pela pele do Ave passam canoas com promissores campeões da arte de navegar.

A tarde espreguiça-se ao longo do rio e Vila do Conde está iluminada por um sol que aquece de esperança estes breves dias de inverno que antecedem o Natal.

Ao fundo, resiste ao tempo o majestático convento que marca a paisagem.  

Mais ao lado, pescadores aguardam pacientemente que a linha dê sinais de esperança. 

Estão juntos e enroupados porque o tempo está de fastio.
Olho a outra margem e à memória chegam emoções de adolescência quando aportava em Azurara em férias de verão. 

Era o tempo em que julgava o mar da mesma idade. Era o tempo das perguntas sem resposta e do convívio com a rapaziada de idêntico destino. 

Apesar da formação elitista que recebia, aquele foi um tempo com uma única brecha: o céu dos crentes.

Foi a «manhã submersa» da minha vida, abandonada com o lento despertar para as emoções de juventude. 

Quando as interrogações libertaram a alma, ousei subir a estrada de afectos, com expectativas, coragem e aventura. Apesar de tudo … saudades de Azurara!

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013


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Natal

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Um anjo imaginado,
Um anjo dialéctico, actual,
Ergueu a mão e disse: - É noite de Natal,
Paz à imaginação!
E todo o ritual
Que antecede o milagre habitual
Perdeu a exaltação.


Em vez de excelsos hinos de confiança
No mistério divino,
E de mirra, e de incenso e oiro
Derramados
No presépio vazio,
Duas perguntas brancas, regeladas
Como a neve que cai,
E breves como o vento
Que entra por uma fresta, quezilento,
Redemoinha e sai:

À volta da lareira
Quantas almas se aquecem
Fraternamente?
Quantas desejam que o Menino venha
Ouvir humanamente
O lancinante crepitar da lenha?

 Miguel Torga (1962)

domingo, 22 de dezembro de 2013

Viagens de costa à vista







Chove a cântaros. Pelo caminho, que me trouxe a Esposende, o céu deixou surgir o sol por entre nuvens carregadas de água. 
Foi de «pouca dura», pois, toda a tarde a Micha enfrentou fortes bátegas de vento molhado e tresloucado.
A ponto de, há momentos, a ter ajustado à direcção mais aconselhada à tempestade, «não fosse o diabo tecê-las»!
O estuário do Cávado está cheio como nunca. As águas estão inquietas num deambular brusco e desajeitado. 
De quando em vez, uma nuvem mais generosa deixa o sol espreitar por uma fresta lá no horizonte. 
Mas depressa se inicia um novo ribombar de bátegas contra a Micha.
 
Este espaço contíguo ao refúgio das naus pesqueiras, é bem iluminado. 
Por aqui aportam almas solitárias retidas nas viaturas pela ferocidade do tempo. Vêm cá para olhar o estuário e, porventura, pensar na vida em que se enredam.
A escassos metros, repousam o «S. Pedro» e a «Margarida», dois barcos retirados do rio até que a tempestade amaine. 
Na doca, os barcos pesqueiros descansam até melhores dias. 
Mais ao longe, ouve-se o rugido dramático e sibilino do Farol, como que a rogar cuidados acrescidos a qualquer embarcação perdida na lonjura do oceano.

A noite prevê-se balanceada pelos ventos e bem fustigada pela tormenta anunciada. 
No remanso da Micha, o Kiko mostra-se atento aos movimentos menos ortodoxos. É um excelente vigilante nestas viagens de costa à vista.

Google Zeitgeist | Here's to 2013

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Caminhos desertos …



CG

Sinto a brisa da saudade
E os silêncios doridos
Ouço rumores na cidade
Como poemas sentidos

É a ternura a libertar
Afectos em contraluz
Talvez o vento a soprar
A maresia que seduz

Gosto de voos rasantes
Com asas de liberdade
Mesmo de seres errantes
Pela vertigem da tarde

Ainda lembro os sorrisos
Que segregavam surpresas
Por vezes, escuto suspiros
Envoltos em vãs certezas

Não importa o que fazemos
Com a infância dos afectos
Porque sempre percorremos
Vários caminhos desertos

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Enquanto a vida passa ...





O dia de hoje amanheceu mais gelado. 
A primeira luz da manhã descobriu o manto branco que a noite postou nos campos desta linda região do Minho. 
O sol surgiu luminoso, acho que com a tarefa de lamber a geada deste Outono soalheiro.

Deixei, há momentos, o arquitecto no seu trabalho e rumei a Esposende. Esta cidade, de muitos encantos, repousa junto à foz do Cávado com a serenidade que lhe é característica.
Exibe um arruado suficiente para o escasso fluxo de trânsito e a ampla marginal, recentemente renovada, é uma atracção deslumbrante para o forasteiro. 
Esposende é, sem dúvida, a mais bela cidade do Minho. 
Mar, rio, planície e montanha encontraram-se por ali para concertarem paisagens de beleza ímpar.
 O Cávado corre apressado para o grande vazadouro, sinalizando o abaixamento da maré. Há pessoas que caminham pela margem direita beneficiando da visão paradisíaca do estuário. Mais ao largo, as gaivotas amontoam-se numa elevação de areia emergente a meio do rio.

Lá fora, o ambiente exige um reforço de agasalhos, pois, a temperatura não deve ultrapassar os 10ºC. Não por acaso, as pessoas passam de rosto arrepelado e encolhidos.
Junto ao Café «mar alto» repousam algumas pessoas a olhar o mar. 
Este é um dos locais ribeirinhos mais frequentados em Esposende. De dia, para sentir a magia da paisagem e a aragem da maresia. Pela noite, para dar liberdade a abraços e amassos de desejo.

Apesar do sol quente, o miradouro não convida à permanência ao relento mais do que uns breves momentos. 
A brisa, apesar de suave, é gelada e rapidamente arrefece o corpo dos mais afoitos. 
Daí que o melhor sítio para admirar esta magnífica paisagem seja o interior da viatura onde me encontro.
Os raios solares entram pela vidraça e a música aconchega o pensamento de maresia e saudade. Na «Antena 1» as sonoridades sucedem-se sendo que, neste momento, os «Silence 4» dão lugar aos «Beatles» em melodias que não têm idade. Deleito-me ao ouvi-las, enquanto a vida passa à minha frente.
Fotos: Google