quarta-feira, 13 de junho de 2012

Viajar cura a melancolia

Foto: Carlos da Gama


« Um dia li num livro: “Viajar cura a melancolia”.
(…)
Os anos passaram – como se apagam as estrelas cadentes – e, ainda hoje, não sei se viajar cura a melancolia. No entanto, persiste em mim aquela estranha impressão de que lera uma predestinação.
A verdade é que desde os quinze anos nunca mais parei de viajar. Atravessei cidades inóspitas, perdi-me entre mares e desertos, mudei de casa quarenta e quatro vezes e conheci corpos que deambulavam pela vasta noite… Avancei sempre, sem destino certo.
 (…)
Hoje sei que o viajante ideal é aquele que, no decorrer da vida, se despojou das coisas materiais e das tarefas quotidianas. Aprendeu a viver sem possuir nada, sem um modo de vida. Caminha, assim, com a leveza de quem abandonou tudo. Deixa o coração apaixonar-se pelas paisagens enquanto a alma, no puro sopro da madrugada, se recompõe das aflições da cidade.
A pouco e pouco, aprendi que nenhum viajante vê o que outros viajantes, ao passarem nos mesmos lugares, vêem.
O olhar de cada um, sobre as coisas do mundo, é único, não se confunde com nenhum outro.
Viajar, se não cura a melancolia, pelo menos, purifica. Afasta o espírito do que é supérfluo e inútil; e o corpo reencontra a harmonia perdida – entre o homem e a terra. O viajante aprendeu, assim, a cantar a terra, a noite e a luz, os astros, as águas e a treva, os peixes, os pássaros e as plantas. Aprendeu a nomear o mundo.
»
(''O anjo mudo'', Al Berto)

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Lugar favorito!



Foto: Carlos da Gama

          Quando o tempo não se faz notar
          e a vida ganha uma pele de veludo,
          é chegado o momento de encerrar
          rotinas, sonhos, estratégias … tudo!

          Quando celebramos a frescura do mar
          mesmo se o pressentirmos medonho,
          sorvemos toda a aragem que traz o ar
          com o fascínio de que é feito o sonho!

          Este velho tempo em que carregamos
          fragrâncias e vivências sem nostalgia,
          vai perdurar nos frutos que deixamos
          misturados com luz de intensa magia!

          Aquelas aves que esvoaçam liberdade
          à boleia dos ventos, rumo ao infinito,
          mais que mensageiras desta saudade
          confirmam o mar como lugar favorito!

Carlos da Gama

domingo, 10 de junho de 2012

Regresso ao mar!







Percebia-se inquietação no olhar. 
Já há um bom tempo que magicava ao redor dos segredos da vida, desde o nascer ao perecer. 
Achava que tinha já cumprido a missão que garantia a continuidade do genes para além da sua existência.
Por momentos, deixou que a memória lhe relembrasse alguns dos quadros mais impressivos que tinha pintado ao longo dos anos:   do nascimento, em ambiente de economia modesta, aos afetos maternos da infância;   da adolescência, meio submersa por contextos de regras e liturgias de fé, à juventude, traída por uma iníqua guerra ultramarina;   da formação universitária, que lhe abriria portas de liderança, à escolha da companheira de toda a vida;   dos rebentos, que foram emergindo dos afetos partilhados, ao agreste, mas conseguido, percurso profissional;  do acompanhamento presente na formação do cardume à descoberta do mundo com o iglô na bagageira;   do início do alargamento da família nuclear, pelas escolhas do cardume, ao (...)
Foram tantos momentos doces que iludiram a passagem do tempo!
Foto: Joana Carvalho

Até que chegou o momento de outras decisões que a natureza humana não consegue controlar. 
Ele sabe bem o quão difícil é falar, ao seu cardume, do fim dos tempos em cada ser humano.
 Mas é imprescindível que aconteça, mais cedo que tarde.
Daí que não se inibia de chamar esse assunto para o seio das conversas familiares, procurando sublinhar o inexorável ciclo da natureza.
Sem dramas, nem pieguices ou piedosas intenções, queria deixar bem claro que, após esta passagem, preferia o seu corpo purificado pelo fogo, seguido do espalhamento das cinzas pelo único lugar que lhe garante acolhedor refúgio: o mar! 
Com a certeza de que o seu espírito permanecerá desperto na estrela avistada pelo cardume em cada dia que passa.
Será, de certo, uma vigília de afectos após o merecido regresso ao mar!

Carlos da Gama

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Memórias da Ria


Foto: Joana Carvalho






Aportamos no Parque de S. João do Canal de S. Roque já o dia se esgotava no horizonte. Ficamos de frente para a cidade de Aveiro e com a Ria aos nossos pés.
A noite foi misturada com as típicas manifestações ruidosas de fim-de-ano estudantil, amaciada pelo rumor acolhedor das batidas da chuva que embalaram a madrugada quente no interior da Micha.

A manhã surpreendeu-nos com um sol aberto que convidava a um passeio pela «Veneza Portuguesa». E foi bom de rever o colorido dos moliceiros, quase todos adornados com chalaças brejeiras tão típicas das nossas gentes.
Sem dúvida que Aveiro deve todo o encanto às águas que acompanham as suas principais artérias. Por seu turno, a pacatez sentida daquele dia deveu-se ao feriado comemorativo do «Corpo de Deus» que os liberais pretendem abolir no próximo futuro.

Depois da Ria… um imenso oceano nos esperava, oferecendo as suas praias desertas num belo dia de sol. A Costa Nova é um local paradisíaco, onde se respira maresia em abundância e se frui de uma paisagem de beleza ímpar. Um local tão aprazível que apetece ficar por muito tempo.
Foto: Carlos da Gama
Este Atlântico, casa de vida e de sofrimento, com águas sempre remexidas, como que esconde o assombro da grandeza do seu abismo e da magia que encerra.
Ali, dei comigo a pensar no significado daquele imenso lago que se tortura constantemente vertendo gemidos que mais parecem manifestações de raiva da sua força gigantesca.
A praia está ainda deserta, aguardando a invasão do veraneio. Mas a Costa Nova é de todo o ano. A sua luz tão clara e o típico colorido e arquitectura das suas casas emprestam-lhe um pitoresco tão genuíno que induz ao visitante um ambiente de contínua festa.
Ali é possível, também e a toda a hora, fruir dos sabores de uma gastronomia enriquecida tanto pela ria como pelo mar. E fruir dos cheiros da típica flora da orla costeira que nos entra pela alma dentro logo à chegada.
Por isso é que apetece ancorar por ali para espairecer a vida, refrescar a alma e repensar o futuro.

Carlos da Gama

quarta-feira, 6 de junho de 2012


 
"Com esta escrita descobri uma coisa em que nunca tinha pensado, é que o bem mais precioso do homem é a memória."
 José Cardoso Pires

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Caminha


Foto: Carlos da Gama

Chegamos a Caminha pela manhã trazendo de Cerveira um tempo de cara azul e sons de calmaria.
Caminha, bela cidade que tem o estuário do Minho como paixão maior que a veste de uma beleza rara.
Caminha é também um concelho que não trata bem o autocaravanismo já que não oferece qualquer local apropriado para esta crescente modalidade de turismo ecológico.
Apesar de tudo, ousamos parar na margem do Minho, de frente para terras de Espanha. Daqui avista-se uma das mais lindas paisagens do litoral norte português.
Está um tempo quente e o azul que está a nossos pés é avassalador. Ouve-se, de quando em vez, o som arrastado do Ferryboat que transporta pessoas e bens entre as duas margens de ambos os países da ibéria.
Ao largo do estuário repousam coloridos barcos de recreio, aguardando, quem sabe, o fim-de-semana para se fazerem rio acima.
Estamos quase no final de uma viagem que nos levou a Orense, Corunha, Finisterra, Noia, Sanxenxo, Pontevedra e Cerveira. O resultado é promissor para outras mais ousadas viagens para além-fronteira. Assim seja!

Carlos da Gama