terça-feira, 20 de janeiro de 2015

confins do sonho



 «… quando fechamos o livro e julgamos que tudo fica encerrado lá dentro, por vezes sucede o inverso: sai tudo de lá de dentro, excepto justamente as palavras. A história e os personagens fogem das páginas e vão vaguear por aí, assaltando-nos em sonhos, numa praça longínqua de uma cidade estranha, numa manhã de chuva ou um corredor de hospital».
Miguel Sousa Tavares, in «Não se encontra o que se procura»

 


Uma vez mais, privo com o Cávado pelas bandas de Gemeses. 
Amo estar aqui na contemplação deste quadro bucólico de pura natureza, apesar, ou por causa da nudez das árvores e do súbito emagrecimento do rio, provocado pela baixa-mar.
Embebedo-me dos sons da passarada que rejubila pelo escasso e tímido sol que aconchega esta manhã de Janeiro.
Acabei de ler o livro «Não se encontra o que se procura», de Miguel Sousa Tavares. Adoro este escritor tardio que, paradoxalmente, me provoca a entrar dentro de mim para encontrar o que sempre procuro: resposta para as inquietações que me trazem cativo, desde que me conheço!
Miguel Sousa Tavares tem uma escrita luminosa e de agradável leitura e possui o condão de nos fazer sonhar. Surpreende quando fala da alma contida num livro. E coloca os personagens e a história que os une a abandonar o livro para vaguearem por outros romances, deixando na estante apenas as palavras, espécie de corpo físico.
É bela e inédita esta visão humana de um romance que, desta forma, nos transporta para outros confins do sonho e da construção literária.

domingo, 18 de janeiro de 2015

tempo de invernia




Dia de chuva fraca, intervalada por uns tímidos raios de sol e escassas bolsas de céu azul desbotado. 

Início de tarde em Gemesses junto ao Cávado que por cá se passeia suavemente.

Ouço os pingos da chuva contra a chapa do carro, envolvidos em música clássica que jorra da Antena 2.

Gosto de olhar a paisagem pelo pára-brisas salpicado de gotas de água que lentamente escorrem até desaparecerem.
Apesar da neblina, é bela a silhueta da Igreja da Senhora do Lago no meio do casario de borda d'água.

Algumas casas deste espaço encontram-se vazias de gente e transformaram-se em arcaicas e degradadas formas arquitectónicas. 
As suas paredes foram testemunhas de uma pujante actividade hoteleira, sobretudo, ao tempo do fim do império português. 

Foi também aqui que se refugiaram muitos dos que fugiram da guerra fratricida que se desenvolveu nos territórios africanos de soberania portuguesa após a proclamação da independência.
As ruínas de algumas residências senhoriais testemunham o tempo de uma burguesia, detentora da terra, vivendo do trabalho dos deserdados da fortuna que, entretanto, demandaram outras regiões e países na busca do sustento e de uma melhor qualidade de vida.
Não se vê vivalma. Talvez porque o tempo de invernia aconchega as pessoas junto às lareiras. Também não se ouve os tradicionais sons da faina campestre tão próprios destas bandas. Quiçá porque estamos no tempo de merecido pousio das terras generosas que bordejam o Cávado.
Dentro de pouco mais de um mês, assistiremos à explosão da natureza e ao reinício de um ciclo pródigo de exploração agrícola. Que venha logo!

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Começo de 2015 no «penico dos burgueses»!





Cá estamos, de novo, na Foz do Arelho. O dia acordou com um sol morno que, ao longo da manhã, lambeu a geada semeada pela noite nos campos desta região do oeste.
A véspera de ano novo foi de abundante música na baia de S. Martinho do Porto. 
No momento da entrada de 2015, um vistoso fogo-de-artifício pintou de várias cores a estreita entrada do atlântico na baía. 
E nem o frio que cobriu a noite impediu os sons de festa durarem até cerca das cinco da madrugada.
Estamos no primeiro dia do ano. Saímos de casa no dia 30 de Dezembro com o destino marcado para Condeixa-a-Nova, para revisitar as ruínas de Conímbriga. 
Aí estavam já concentradas cerca de meia centena de autocaravanistas que se preparavam para a passagem do ano em confraternização. Apesar dos insistentes convites para que participássemos na festa, preferimos rumar a S. Martinho do Porto para admirar a beleza ímpar da baía. 
Pelo entardecer, aquela vila torna-se mais encantadora, quando as luzes do casario são espelhadas pelas águas calmas da lagoa. 
Já não se avistam as mansões, de meados do século XX, construídas pela burguesia de Lisboa para passar férias. 
Os novos edifícios, de construção em altura, e a massificação do turismo, retiraram o curioso epíteto de outrora, quando S. Martinho do Porto era conhecido como o «penico dos burgueses». Mas continua muito bela esta terra de muita luz e onde o azul do céu se confunde com o atlântico, para lá do horizonte e em dias ensolarados. 
No dia seguinte demandamos à Foz do Arelho para nos deslumbrarmos, uma vez mais, com o remanso das águas da Lagoa de Óbidos.