sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Certeza de azul e mar!




Ultimamente, encontrava-o um pouco calado, cabisbaixo, quiçá, um pouco humilhado. Sabia que o Outono amadurecido lhe moldava os humores. Todos os anos era assim. Mas, este Novembro mostrava-se mais acabrunhado com a vida.
Sempre foi um espírito introspectivo. Apesar de aparentar uma força diferente para os afectos de maior proximidade, os últimos dias desviaram-lhe o olhar para um estádio de melancolia e enternecimento.

Sempre se esforçava por emprestar mais cor à sua vida solitária. Fazia o possível para ter em mãos alguma bricolage que lhe consentisse isolar-se do mundo e dos pensamentos mais amigos das consumições que o traziam cativo, faz tempo!
Nada disto acontecia quando a imaginação se inibia de aquecer a alma nas margens frias do Inverno. Transformava-se um tormento cada minuto que passava. Apetecia-lhe ligar as asas e voar na companhia dos pensamentos mais libertários. E, quando a isso se permitia, o mar era o seu porto de abrigo. Como sempre!

Por vezes, detinha-se a ruminar as memórias dos tempos felizes passados sabe-se lá onde. Como uma gaivota que sobrevoa, pelo entardecer, as generosas falésias da saudade e maresia. Desses momentos, de pura magia, emergiam os que se abrigavam nas águas mansas do estuário da vida, como que numa fénix sempre renascida.
Outras vezes, o mar do norte fazia-lhe frente com a bonomia dos passeios solitários junto da espuma aflorada do encontro das águas com o amplo espraiado. Era uma ilusão de regresso à paz que essa odisseia lhe anunciava. 

Quando estendia o olhar pela maresia, até ao horizonte, o seu pensamento detinha-se lá ao longe, atravessava o abismo do extenso atlântico para se aprimorar nas praias quentes donde se fabricavam sonhos de liberdade e poesia.
Mas, não raras vezes, dava-se conta que a realidade era muito mais austera e prisioneira de um destino que exige ser cumprido. Como um vento que sopra de um país imaginário, também o seu pensamento voltava ao cais dos barcos de velas contidas.

Via passar o tempo como uma miragem de saudade. E, olhando mais adiante, adivinhava um caminho que retomava o fado que algures tinha perdido. A sua esperança era que, apesar de curto, o haveria de percorrer com a ousadia que tinha sido a sua imagem de marca ao longo de décadas. Numa certeza de azul e mar!

domingo, 18 de novembro de 2012

Levar-te-ei na barca ...

Carlos da Gama


Esta ternura que a maresia transporta
Ilusão de sonhos que desaguam bem longe
Angústia breve que a quimera comporta
Sombras que bailam com vestes de monge!

Lembranças fugazes de histórias vividas
De breves ousadias dissipadas em vão
Abismo de vozes e de palavras perdidas
Para lá da utopia, mas junto ao coração!

Perspectiva tranquila de largo horizonte
De inspiração discreta e ambígua loucura
Aflora magia quando olhamos defronte
Desassombro, coragem e sagaz aventura

Percebendo o tempo mais próximo do fim
Estarei a navegar entre as margens da ria
Levar-te-ei na barca que faz parte de mim
Para que, após eu zarpar, não fique vazia!


quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Mar sonoro ...



Foto: Carlos da Gama







«Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim,
A tua beleza aumenta quando estamos sós
E tão fundo intimamente a tua voz
Segue o mais secreto bailar do meu sonho,
Que momentos há em que eu suponho
Seres um milagre criado só para mim

Sophia de Mello Breyner Andresen

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Estados de alma …



Foto: Tonicha
- Pardilhó (Aveiro)





 Vagueando por estrada sem vizinhança
travestido de figurante caído em cilada
rondando sem rede e qualquer segurança
como animal inquieto no meio do nada

Sou raiva serena nesta noite de breu
e  bruma suave em chão de lua cheia
sou fome de paz num espaço só meu
e brisa que desperta esta nobre ideia

Sou tumulto d’alma que emerge em segredo
e orador de sonhos sem qualquer plateia
sou chama mortiça numa espécie de enredo
e espuma de mar que se desfaz na areia

Meu peito não dorme nas noites inquietas
suspenso, há muito, em nuvens de Outono
e o coração sufoca em vertigens funestas
como cão doméstico que ficou sem dono

Meu sonho maior é partir clandestino
de alma resgatada e desfeita em vento
tendo os afectos cumprido seu destino
também para mim é chegado o momento

Sei que meus versos, quase sempre, deprimem
por não ter um jeito de ser mais frontal
mas são estados de alma que eles exprimem
por isso, vos peço, não os leveis a mal!