quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

«O essencial é invisível aos olhos»!






Há dias, assisti ao filme «O Impossível» que conta a história verídica de uma família espanhola que sobrevive ao Tsunami de 2004, que devastou o Sudeste Asiático atingindo fortemente a Indonésia e a Tailândia. É um filme que, de princípio ao fim, capta a atenção do espectador, com certas cenas a transportar-nos para o turbilhão de emoções que as ondas gigantes fizeram emergir.

Acabei de ler uma entrevista de Maria Bélon, uma das protagonistas daquela tragédia que, na altura, passava as férias de Natal, num dos resorts de Phuket, na companhia do marido e dos três filhos, todos eles igualmente sobreviventes daquela tragédia.
Para além da descrição da traumática experiência, o que me impressiona na entrevista é a forma de como esta mulher passou a encarar a vida. O seu desabafo de que «agora sei o que é importante e para o que devo viver» é um sinal de que a vida passou a ter um sentido completamente diferente do que era antes do Tsunami.

Esta médica, que abandonou a profissão, assumindo o papel de porta-voz das vitimas da tragédia, acreditava que tanto ela, como a sua família, tinha uma grande beleza e enorme importância social. Após esta experiência, diz, com impressionante convicção: «Sou a mulher mais bonita do mundo. A minha beleza está nas minhas cicatrizes, nas minhas rugas, nos meus cabelos brancos».

É frequente este fenómeno de se sentir a vida com outro olhar após uma experiência de quase-morte ou da vivência de um drama pessoal ou familiar muito traumatizante. 
Vivemos apressados os dias e os anos, numa correria sem destino e sem alma. Só damos conta da direcção que levamos quando somos sacudidos por algo que nos perturba profundamente e que nos permite reavaliar diversas coisas extremamente relevantes, que o nosso dia-a-dia teima em passar por cima e, mesmo, desprezar. Pois, como escreveu  o escritor francês, Saint-Exupéry, no seu livro "O Pequeno Príncipe", «O essencial é invisível aos olhos».

Histórias, como a de Maria Bélon, obrigam-nos a reflectir no que realmente somos e para onde vamos. E de não ter medo de passar a ouvir as palavras que sempre desejamos ouvir, de pronunciar as frases que um dia gostamos de repetir, de sentir a emoção que sempre esperamos sentir, de caminhar pelos trilhos que um dia ansiamos seguir, de dividir o carinho com quem sempre ambicionamos repartir e de viver a vida que sempre sonhamos existir.

Imagem: Google

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Pelo sonho é que vamos ...

Carlos da Gama







 Pelo sonho é que vamos,

comovidos e mudos.

Chegamos? Não chegamos?


Haja ou não haja frutos,

pelo sonho é que vamos.


Basta a fé no que temos.

Basta a esperança naquilo

que talvez não teremos.
 

Basta que a alma demos,

com a mesma alegria,

ao que desconhecemos

e ao que é do dia a dia.

Chegamos? Não chegamos?

- Partimos. Vamos. Somos.

                                                                Sebastião da Gama (1924-1952)

sábado, 12 de janeiro de 2013

Quero a vida a despertar!



Tonicha

 



 


O vento tem cor de mar

Voa sem correio azul

Grávido de inquietação

Pasma-se ao ver passar

Os pássaros que vão pró sul

Em busca de sol e pão!

 

 

É eterno este desejo

Que tem igual liberdade

Como pássaros em bando

Que vão juntos em cortejo

Sabendo com propriedade

Também se voa caminhando!

 

Daqui, não almejo saída

Apenas aguardo a viagem

Dos sonhos por concretizar

Afasto qualquer recaída

De medos feitos miragem

Quero a vida a despertar!

 

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

O casarão


Carlos da Gama



À minha frente, o cenário tantas vezes revisitado: O casarão brasonado, que observo em silêncio, jaz abandonado, e já tomado pelas trepadeiras do tempo, na margem direita do Rio Cávado.
Em tempos, era uma palacete cheio de vida, onde as crianças de Gemeses se dirigiam para aprender as primeiras letras ministradas por educadoras pertencentes àquela família. Foi, também, uma das casas mais abastadas da Freguesia. 
Há algumas décadas, porém, iniciou o seu declínio mortal. O cenário que hoje testemunho é o da completa decadência de uma referência arquitectónica de Esposende. 

Observando-a, por entre uma árvore desnudada de folhas e ferida pela amputação dos seus ramos mais musculados, vêm-me à memória histórias, ouvidas dos mais velhos, sobre os fantasmas que por ali se acolheriam. 
O mais presente terá sido um seu antigo dono que apareceria, em altas horas da noite, no mirante da moradia ou vagueando pela enorme quinta que lhe pertencera. Enfim, a história dos povos faz-se, também, de mitos e lendas fantasmagóricas que dão colorido a momentos, mais ou menos marcantes, em cada sociedade.

A manhã veste-se de uma tristeza invernal, com uma chuva fraca que lhe acrescenta melancolia. Lá mais em baixo, o rio, de cor pálida, escorre silencioso em direcção à Foz.
Encontro-me junto da Capela da Senhora da Barca do Lago, um lugar paradisíaco que, em tempo de veraneio, veste-se de vegetação revigorada, de águas mais azuis, de flores variadas e de um calor que atrai multidões.
Tenho para mim que o Inverno mais não é que a espera por esse tempo luminoso!

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Afectos ciganos



Google
O dia nasceu cinzento e assim vai continuar. As nuvens parecem altaneiras e o ambiente sem cor. 
A música clássica jorra da Antena 2 fazendo companhia ao vaguear dos meus olhos pelo imenso parque de estacionamento do centro de Barcelos.

A visita a um familiar moribundo trouxe-me até aqui. As pessoas, em grupos, aproximam-se da unidade de saúde. É a hora da visita hospitalar, uma obrigação social bem arreigada no nosso povo. Qualquer que seja o diagnóstico de quem se encontra internado.
Penso, por vezes, que, neste particular, aproximamo-nos dos afectos ciganos: quando as fragilidades do corpo nos entra pela família dentro, há o «toque a reunir». Porque sempre julgamos que, quanto mais próximos, mais fortes!

Lá fora, as árvores dirigem para o céu a sua nudez. Aguardam que o sol se aproxime um pouco mais para emergir em força da hibernação forçada.
Este tempo, de escassa luz, pouco sol e frio quanto baste, leva para longe o voo dos pássaros e emudece a alma das plantas.
E custa a entender a razão destas se despirem, precisamente, na época em que era pressuposto o contrário. Talvez seja puro masoquismo este sacrifício da natureza. Ou uma mensagem de que é necessário morrer para renascer em todo o esplendor. 

Começou a chover de mansinho, dificultando a vida aos arrumadores que, ainda assim, teimam em continuar a sua função, por certo, na esperança de acrescentar, um pouco mais, o seu pecúlio até ao final do dia.

Google
Mozart mantém-se, no aconchego do meu carro, com a sua música eterna. A tarde vai-se esgotando aos poucos. As pessoas deambulam de um lado para o outro, com as feições a denunciar a temperatura de mais um dia de inverno.  Que acrescento à vida!