sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Viagem

Souiria Kdima (Marrocos - 2013)

Viagem  
É o vento que me leva.
O vento lusitano.
É este sopro humano
Universal
Que enfuna a inquietação de Portugal.
É esta fúria de loucura mansa
Que tudo alcança
Sem alcançar.
Que vai de céu em céu,
De mar em mar,
Até nunca chegar.
E esta tentação de me encontrar
Mais rico de amargura
Nas pausas da ventura
De me procurar...
                                                                                                                 Miguel Torga, in 'Diário XII'

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Seres errantes ...





 
Adoro este odor, feito cocktail de cheiros silvestres com maresia, que emerge do capim dos campos que ladeiam a caminhada matinal de Vila Praia de Âncora a Moledo do Minho.

Está uma manhã cálida, apesar do sol se ter refugiado por detrás das nuvens. 
A pista que percorro transporta vários veraneantes, quer em marcha, mais ou menos apressada, quer de bicicleta, quer em corridas esforçadas a suor.

O mar mostra-se ao lado entretido na labuta diária de empurrar, cadenciadamente, as águas contra as rochas deste recanto do meu país. 
É aqui que buscamos as saudades de outros momentos que fazem a melhor memória das nossas vidas. 
Era cá que, na juventude, exercíamos a liberdade selvagem em campismo postado mesmo junto ao Forte de Âncora. 
Mais tarde, quando os infantes careceram de maior conforto, o veraneio fez-se em casas alugadas à quinzena. 
Agora, a Micha acolhe-nos e transporta-nos para os locais que, a cada momento, mais desejamos.
 

Trata-se de uma modalidade de turismo de proximidade que permite viajar pelo mundo de forma apaixonante. Enquanto é tempo!

Vila Praia de Âncora encontra-se engalanada por força dos festejos gastronómicos, com o Espadarte a pontificar no cartaz, por alguns dias.
A tarde vai-se esvaindo lentamente. 
O sol pálido desce no horizonte até passar a fronteira de outras latitudes. Ainda aquece o ambiente, apesar do vento agreste que fustiga as águas deste mar de muitos rochedos.

Um bando de gaivotas pousa junto da rebentação, talvez à espera que as águas recuem para uma baixa maré que lhe descubra o sustento que carecem. 

Por estes dias, conhecemos o José, nosso vizinho no bairro de autocaravanas. 

Homem solitário, de idade avançada, todos os dias aguarda o recuo do mar para recolher o marisco que mais aprecia: os percebes. 

Conhecedor de meio mundo, o José passa mais de metade do ano na sua casa rolante, sempre colado à costa portuguesa. 

Em Novembro refugia-se no Algarve para aí passar o inverno, beneficiando de um clima mais ameno. 

A vida está cheia destes seres errantes que se habituaram a conviver bem com os silêncios que construíram durante a vida.

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

viajar é preciso ...


«A vida é o que fazemos dela. As viagens são os viajantes. O que vemos não é o que vemos, senão o que somos.»

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Novas fronteiras …




De quando em vez, a nostalgia não o larga. Vem com uma saudade que o emudece e um devaneio que o atormenta. Ainda não conseguiu encerrar o capítulo que abandonou lá atrás.
Por vezes, a memória reprime-o quando faz emergir contextos dispensáveis. Como que a lembrar a necessidade de esquecer a inquietante nudez de cada momento. E de desprezar os olhares que o rondavam e que dissimulavam o veneno que havia de ser derramado algures.
Sempre recorda que, ao seu redor, gravitavam almas tristes, propensas ao desânimo e portadoras de uma coexistência ressentida. E que foi, em certos momentos, adulado por vidas sem luz que o iludiam com falsos afectos de submissão cobarde e oportunista. Mas, para si, isso já não constituía novidade. Há muito que confirmara que cada pessoa é um mistério e um abismo de incógnitas e incertezas.
Pressentia, naquele tempo, a ilusão do embuste. Aprendeu que o ser humano é um enigma difícil de decifrar. Compreendeu que a vida é uma brisa de vento breve. Descobriu que a luz só é perene no seio dos afectos nucleares. Decidiu não confiar a alma ao diabo, não abrir o peito às balas e ignorar a insidiosa poeira do tempo.
Passou a ser mais exigente com o carácter e a amizade, após um longo período de aprendizagem sofrida. Foi um caminho lento até ao cabo das tormentas, desafio maior de toda a vida. No percurso, deixou a pele espalhada pelas ásperas ramagens do desassossego.
A perspectiva a que se impunha era totalmente contrária ao que sempre tinha imaginado. Mas tudo se consumou. De repente, viu-se num horizonte mais brilhante, navegando por sobre águas tranquilas. A rota tinha sido alterada. Os sonhos eram de outra cor. A vida ganhara novas fronteiras ...