sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Negrura



(Carlos da Gama. Marrocos2013)

 “Neste dia sem luz que me anoitece,
Que me sepulta inteiro,
Até de mim a minha dor se esquece
Para que eu seja um morto verdadeiro.

Chove tristeza fria no telhado
Do castelo do sonho; nua, nua
A calçada que subo, já cansado
De tanto andar perdido nesta rua.

Duma olaia caiu, morta, amarela,
Qualquer coisa que foi princípio e fim;
E bem olhada, bem pensada, é ela
Aquela folha que lutou por mim…

Sozinho e morto ouço cantar alguém,
Mas é longe de mais a melodia…
E o ouvido que vai nunca mais vem
Trazer-me a luz que falta no meu dia.”
                                                               Miguel Torga, in «Diários I a IV»


quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Faz-me tanta falta!



Não existe nada que resista ao tempo. Este é o mistério que me tem devorado por dentro nos últimos dias.
Quando penso na minha mãe, que recentemente partiu, sinto uma vertigem de saudade e nostalgia que me desassossega a alma. 
Nos meus momentos de maiores silêncios, vêm-me à memória o seu olhar sempre acolhedor, a sua preocupação com o nosso quotidiano e o seu sorriso franco e feliz.
Meu Deus, como é avassaladora a saudade da sua voz, do seu jeito malandro de imitar, do modo informado como se interessava pelas questões sociais e politicas do dia-a-dia, da atenção que prestava aos problemas da sua família nuclear, enfim, de tantos momentos de cumplicidade e afectos que recebi ao longo da vida.
Quando perdemos o ser que nos deu a vida, quando morre a nossa mãe, morre a maior parte de nós. 
É muito doloroso habituar-me à ideia de que já não desfruto do ser humano que amei desde que nasci. E, hoje, deploro, com imensa tristeza, não ter sido mais explícito na manifestação desse amor.
Conforta-me o facto de que partiu serenamente e sem se dar conta disso. Mas faz tanta falta à minha vida. Porque era uma confidente dos bons e maus momentos. Era uma rainha de afectos sempre disponível para um abraço de inesgotável ternura. Faz-me tanta falta!
 

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Canção para a Minha Mãe



















E sem um gesto, sem um não, partias!
Assim a luz eterna se extinguia!
Sem um adeus, sequer, te despedias,
Atraiçoando a fé que nos unia!

Terra lavrada e quente,
Regaço de um poeta criador,
Ias-te embora antes do sol poente,
Triste como semente sem calor!

Ias, resignada, apodrecer
À sombra das roseiras outonais!
Cor da alegria, cântico a nascer,
Trocavas por ciprestes pinheirais!

                                    Miguel Torga, in 'Diário (1946)

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Novembro





(CG - Porto Covo.2014)






Este mês de cara triste
De despida natureza
É rio que não resiste
À torrente de tristeza

É uma fase de ruptura
E de basta melancolia
Pesar e mágoa à mistura
Vazio d’alma, nostalgia!

Neste mês de cores baças
Nem o céu tem cor azul
É tempo de ganhar asas
Rumo a falésias do sul

Cismar olhares passados
Moer angústias e dores
Largar dramas e fados
Cuidar de nossos amores

Que foram e que cá estão
E dar um rumo à dinastia
Mais próxima do coração
Numa constante vigília!                               

                                                                              Carlos da Gama (Nov. 2014)