quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Mãe coragem





Hoje, apetece-me muito escrever. Um turbilhão de emoções e de saudade perpassa a alma por uma viela da vida que chegou ao fim. Hoje, desejo escrever sobre saudade. Saudade da mãe coragem que partiu suavemente. Saudade de uma mulher que deu a vida pelos afectos que carregou durante a sua longa existência. De uma mulher que foi apoio e conforto nas horas aflitas. Que foi mãe todo o tempo e companheira dedicada e amantissima dos filhos. Uma mulher sofrida e de várias angústias pelos reveses que a vida lhe pregou. Uma mãe que me deixa órfão de carinhos e afectos de mãe.
Deixou-nos após uma caminhada penosa pelos noventa anos que o seu frágil corpo carregava. 
Doeu a notícia da sua morte. Porque sempre pensamos que a nossa mãe nunca morre.Por isso, este é um dia de imensa saudade. O dia da grande perda. Porque deixo de ter o ombro de afectos, a palavra amiga e de incentivo, o encanto das histórias da família, a memória de tantos factos passados, a alegria de estar junto dela. Resta-me a imensa saudade da mãe coragem. E a dor da sua partida que nunca morrerá. 

Mãe, deixaste-me um vazio que nunca saberei preencher. Porque me falta o teu sorriso e o teu olhar meigo quando te visitava em casa ou no hospital. Faz-me falta ouvir-te perguntar, com o carinho maior do mundo, se estava tudo bem. Foi em silêncio de respeito e angustia que caminhaste a meu lado quando os ventos da tristeza me empurraram para um destino que não desejávamos. E aí, minha querida mãe, foi tanta a tristeza que emudeci junto de ti.
Hoje, o meu coração está comprimido numa força que se quer libertar para gritar, sem pudor algum, que te amo. Que foste, sempre, a mulher da minha vida de afectos. E sei que a minha companheira, que tu orgulhosamente gostavas de chamar de filha, compreende bem esta distinção. Porque foste sempre um farol que alumiou o meu destino desde que nasci.
Vi-te orgulhosa quando te diziam que eu me portava bem na escola. E nunca esqueço aquele vermelho vivo da camisola com que me vestiste quando fui à cidade grande fazer a passagem do primeiro ciclo.
Sei que lutaste com dificuldades quando me colocaste no colégio para que o futuro fosse diferente. Nunca encontrarei palavras para te demonstrar a minha gratidão.
Sei que me viste partir para a guerra em África com o coração a sangrar. Não esqueço aquele dia em que ambos fomos ao Porto para comprar o fardamento e nos despedirmos numa jornada de afectos e saudade. E, também, sempre recordo as cartas que eram portadoras de amor de mãe e saudades de abraços.
Adorei ver-te o orgulho no olhar quando consegui a formação universitária e entrei num outro estatuto profissional. E a forma como te dirigias a mim nesse tempo, de um misto de honra e conquista, é uma das tuas facetas que mais amo recordar.
Minha querida mãe: como adorava hoje ter-te diante de mim para te falar de tudo isto. Acho que as nossas longas tardes de conversas cúmplices não foram suficientes para te dar a entender o quanto te admirava e te estava agradecido. Agora martirizo-me com esta dor que a tua ausência provoca. Esta saudade sofrida de saber que nunca mais te posso dirigir um olhar e de te ver sorrir, apesar da doença que te levou de nós.
Dizem, e eu acredito, que só morremos quando deixamos de ser lembrados. Daí que eu tenha a certeza de que estás no meio de nós e nos acompanhas com a tua protecção de mãe que nos fez crescer. 
Mãe, obrigado por teres feito parte da minha vida. Permanecerás no cantinho mais nobre do meu coração. Para sempre!

2 comentários:

  1. É um orgulho fazer parte da vossa família, é uma honra ter conhecido a sua mãe, e foi ao ver o vosso sofrimento somado ao meu por a ver a partir que me fez aperceber o quanto eu gosto verdadeiramente de vocês.
    Só morremos mesmo quando deixamos de ser lembrados, e no que depender de mim a memória da sua mãe perdurará enquanto tiver meios e palavras de transmitir quem foi, como era e o que fez!

    Ricardo

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  2. Tempos difíceis foram passados nestes últimos tempos, mais acentuados nestes últimos dias. Tempos difíceis esses que vão demorar a sarar. A dor é imensa. A saudade sem fim. A perda de um ente querido dói muito, mas quando esse ente querido teve uma importância imensurável na nossa vida, ainda dói mais.

    Mãe coragem foste tu apelidada. Mas eu acrescento avó coragem, irmã coragem, filha coragem. Sim, porque sempre puseste em primeiro lugar os problemas dos outros. Sempre tiveste uma palavra reconfortante nos momentos mais difíceis, uma piada nas situações mais desagradáveis, um sorriso sempre que era preciso. É esse sorriso que recordo sempre que abria a porta de tua casa. É esse sorriso que recordo sempre que recordavas o passado nas longas tardes que passávamos a conversar. É esse sorriso que recordo até quando já sofrias em silêncio na cama do hospital. Sempre com a preocupação de passares a sensação que estava tudo bem contigo, mesmo tu sabendo que não era bem assim.

    Por um lado, tenho muita pena de não poder abraçar esse corpo que emanava um calor tão bom, mas tão bom. Por outro tenho a certeza absoluta que estás sempre connosco, tal como sempre o fizeste.

    Lembras-te quando nos riamos quando fazias as tuas imitações dos “antigos” lá da terra? Lembras-te quando comecei a namorar a Ana e dava por ti a olhar para mim em silêncio a rir e logo de seguida me perguntavas “estás-lhe a dar um toque é?” Lembras-te quando a conheces-te e me disseste logo “que linda princesa tu arranjaste!” Lembras-te quando eu e tu escondíamos os cigarros da tia Nor e a púnhamos “tola” atrás deles enquanto nós nos riamos? Lembras-te quando rezavas por mim sempre que eu te dizia que não me tinha corrido bem um teste ou então que ia ter de fazer uma viagem para outro país?” Lembras-te que quando eu vinha da salinha de ver o nosso Benfica tu me perguntavas logo “Ganhou ou perdeu”? e conforme a minha resposta obtinha logo da tua parte outra que me fazia ficar bem ou ainda melhor. Pois avó, eu lembro-me e quero-te agradecer por isso tudo.

    Quero-te agradecer por me teres deixado nos genes tudo o que tenho de bom, pois de mau, em ti, não encontro nada.

    Quero-te agradecer por me teres dado um pai sem igual. O que ele é hoje, a ti o deve, e isso não tem preço.

    Quero-te agradecer por me teres dado uma madrinha inigualável. Como ela não há. E sabes porquê? Porque ela é o teu reflexo. Também ela é uma mãe coragem, uma filha coragem, uma tia coragem.

    Quero-te agradecer por me teres dado todos os tios (e eles sabem quem são) que como nós sofrem, mas que são uma ajuda imensa.

    Quero-te agradecer por teres existido. Por estes 90 anos de um exemplo de força, carácter e determinação sem igual.

    Por onde passaste deixas-te somente amigos e boas recordações. Como exemplo tens o Ricardo, que mesmo te tendo conhecido somente nestes últimos anos, deixou bem explicito o que pensa de ti. Obrigado Ricardo pela tua força.

    Pensamos em ti todos os dias, e assim o vai ser até nos tornarmos a encontrar. Sim avó, porque é nisso que eu encontro forças para continuar. Se por um lado tenho a certeza que estás sempre connosco como anjo da guarda, por outro também tenho a certeza que isto não é um fim, e que quando chegar o momento, iremos ser recebidos por esse teu sorriso que sempre tivemos.

    Olha por nós.

    Dá-nos força para continuarmos esta jornada difícil. Demorará muito tempo, mas sei que nos ajudarás a ultrapassar esta fase.

    Amo-te avó.

    Obrigado por tudo.

    Até sempre.

    Um enorme beijo do teu orgulhoso neto,

    Carlos Carvalho

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