segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Cântico Negro...

"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha mãe 

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí! 

José Régio

domingo, 28 de agosto de 2011

"Quando morrer, voltarei para buscar os instantes que não vivi junto do mar."
Sophia de Mello Breyner Andresen

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Sonhar!


Um dia destes, encontrei o sonho, chegado de longe e carregando a saudade colada ao corpo. Disse-me, na hora, que morava num local encantador, donde partia o vento norte a percorrer mundo por dispersas aragens e paragens. 
Sentia-se bem acolhido por ali. Confessou-me que gostava de avistar as estrelas, sobretudo quando elas brilhavam deslumbrantes e algumas desapareciam em rastos de magia. E que voava para longe à conquista de amores fugazes, esvoaçando pela maresia da aventura e pelas palavras espalhadas em desejos proibidos.
Achava-se o centro do mundo. Na inocência de uma criança, ou na alma de um adulto, era sempre chamado a comandar as operações. Assumia-se como o sal da vida, porque sem ele tudo permanecia pasmado e numa sensaboria aborrecida.
O sonho tinha alguns amigos que estimava: o vento, o sol e o mar. 
De todos, o vento era o mais airoso, embora, por vezes, se mostrasse apressado e ruidoso, assustando tudo e todos por onde deambulava. 
Tinha momentos sem norte em que redemoinhava numa espécie de tontaria e assombro. 
Outras vezes, juntava-se com a chuva e exibia um comportamento irascível, levando o pânico à natureza confusa e derrubando tudo o que lhe surgisse pela frente.
Quando mais sereno, levava saudades em brisas de ternura para outras latitudes onde a emoção se espraiava. Era cúmplice de segredos guardados pela maresia. Sempre se soube que ajudava o sonho a concretizar secretas aventuras e encontros de amor.

O sol era, por temperamento, mais carinhoso e meigo. Nutria pelo sonho um calor especial. Sempre que surgia, mesmo após as noites frias de solidão, estendia os seus raios e pegava o sonho no seu colo. Apenas permitia ao vento a ousadia de soprar uma suave aragem quando o seu calor era em demasia.
Se a chuva chegava e o vento se lhe juntava, o sol desaparecia de mansinho e só regressava após os dois partirem para outras latitudes.
O sonho adorava o sol. Por este seu companheiro pintar a natureza com belas cores de primavera, que o faziam sonhar com maior intensidade. Quando permanecia mais tempo por ali, o sol espalhava ouro pelas searas de trigo e centeio, atraindo as aves para voos de liberdade, em pradarias sem fim.

Mas era o mar que o sonho mais procurava. Admirava-lhe a grandeza e o desassombro da vida que levava. Era o amigo mais corpulento e possante, por isso, abrigava-se nele sempre que podia. O sonho gostava de olhar o horizonte quando, pelo entardecer, o sol se preparava para se deitar nas águas do imenso lago.

Em momentos de maior cumplicidade, o sol observava o sonho a caminhar junto do espraiado, em silêncios perturbadores. Sabia que ele costumava andar por ali a dissecar a alma e a segregar as mágoas que as marés transportavam para longe. 
Pela calada da noite, o sonho refugiava-se na beira do mar, quer para desfrutar o seu cadenciado rugido, quer para apreciar a lua a vestir-se de águas de prata.
Aqueles eram os momentos em que se permitia fruir da sua vocação eterna: sonhar!

Fotografia:          Google Imagens

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Rotinas de sempre!



Estamos a avançar, a passos largos, para o final do mês de Agosto. A vida começa, aos poucos, a regressar a uma indesejada normalidade, porque composta de rotinas de que as férias constituem um breve intervalo.
A véspera do regresso deixa-nos sempre levemente apreensivos. Porque voltam as angústias rotineiras de casa-trabalho-casa. 

Voltam as canseiras e as surpresas que nos deixam mais cativos da nostalgia. 
Voltam os dias cada vez mais curtos e com uma luz mais difusa. 
Em suma, após se reviverem alegrias e abraços, regressam as rotinas e os cansaços. 
E volta a saudade dos sonhos impossíveis. 
 Talvez tudo isso aconteça apenas porque as origens mais remotas, de que somos protagonistas, sejam um misto de liberdade e natureza. Seremos do tempo em que se acham alguns resquícios tribais, ainda a salvo da civilização. E essas origens, que marcam o nosso ADN colectivo, criam a nostalgia de um tempo onde inexistem embaraços de qualquer espécie.

A civilização roubou-nos a autêntica noção de liberdade, sentida no contacto permanente com a terra e a natureza. Apesar de ganharmos algum controlo com o bem-estar e criarmos contextos onde o conhecimento do ser humano e do universo se alcança cada vez com maior desassombro. Mas esse é a parte positiva da civilização: a constante procura do conhecimento.
Era este também o pensamento do mestre do surrealismo, Salvador Dali que, no final da sua vida, à saída de mais um internamento hospitalar, gritou o seguinte lamento: "... Eu sou um génio e os génios não podem morrer, pois deles dependem o destino do mundo...".
Lembro que fiquei enternecido em frente da televisão ao ouvir a exteriorização magoada por parte daquele pintor que eu tanto admirava. E não me custou aceitar o seu argumento, apesar do pânico que revelava perante a inexorabilidade da morte.

Para além da ciência e do desenvolvimento social, o ideal maior é o retorno às origens mais remotas da nossa existência. 
Por isso, amo reviver a alquimia dos sonhos por concretizar e habitar inspirados desejos de aventura para incógnitas latitudes e emoções. 
Nessa dimensão, acho-me composto de vento e sombras. Porque gosto de voar pela aventura e beber a solidão de um espraiado sofrido.
Hoje, vejo muitos regressados à rotina dos dias e à voragem dos anos. Sinto a sua alma inquieta pelo precoce abandono de um tempo sem obrigações forçadas. Pressinto-os mais melancólicos por darem conta de que continuam escravos de uma incolor existência colectiva. 
É este o estado emotivo do difícil regresso às rotinas de sempre!

Fotografia:          Google Imagens

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Pele de bacalhau!





Portugal está a viver um tempo de preocupante crise económica e financeira. 
Um calvário que já leva alguns anos e do qual ainda não se antevê qualquer «luz ao fundo do túnel».
A nível social, já nada é como era dantes. Os impostos cresceram, os salários reais diminuíram de forma acentuada e o desemprego grassa, quer na indústria, quer no comércio e serviços. 

A fome é uma tragédia espalhada pelo território nacional e a pobreza envergonhada emergiu de forma avassaladora. 
Este país arrisca-se a ver desaparecer, em pouco tempo, uma classe média que promovia empregos e dinamizava a economia.

Os nossos emigrantes, que todos os anos regressam pelo Verão, constituem um indicador deste estado de coisas. No início da emigração, era grande a diferença do seu poder de compra, quando comparado com o dos seus patrícios aqui residentes. 
Quase só os emigrantes exibiam bons carros e adquiriam terrenos para aí construírem moradias de qualidade. Eram eles que mais povoavam os restaurantes e as zonas de lazer e veraneio, estimulando um maior desenvolvimento da economia dos serviços.

Com a entrada de Portugal na Comunidade Europeia, na década de oitenta do século vinte, os salários reais cresceram a ponto de já não ser notada grande diferença dos rendimentos auferidos no estrangeiro. 
Os finais da década de oitenta e toda a década de noventa do século XX foram de grande pujança económica em Portugal, facto que fomentou um apreciável desenvolvimento na sociedade portuguesa.
Com o início do novo milénio, iniciou-se uma espécie de regresso ao passado, com o inexorável depauperamento do país, a pontos de se almejar a presença dos emigrantes em tempo de férias, na esperança de que se promova algum dinamismo na economia.

Apesar de tudo, espero que não se recue aos duros tempos da minha infância. Um tempo salazarento, em que, para além da guerra, nas chamadas colónias africanas, vivia-se numa grande penúria económica e social. 
Um tempo em que a emigração constituía a única saída de perspectivas de melhoria das condições de vida. 
Um tempo em que a pobreza se acantonava nas tascas imundas das aldeias, onde os homens bebiam o tempo que passava envoltos numa miséria feita de carências de primeira necessidade.
Minha mãe várias vezes contou sobre um seu vizinho, desses tempos difíceis, que sempre transportava, nos bolsos das calças, uma pele de bacalhau. 
E com ela cumpria uma repetida liturgia: chegava à taberna, pedia uma malguinha de tinto e, antes de a emborcar pela goela abaixo, besuntava os beiços com aquele indício de bacalhau. 
Assim, marcava a boca com o sabor salgado da pele daquele peixe seco, muitas vezes já surrada e rompida pelo repetido uso, e o vinho escorria, bem melhor acolhido, pela garganta sedenta.
Esperemos que esses tempos não voltem mais a este meu país. Que o desejo de um copo de tinto jamais seja favorecido pelo recurso a uma reles pele de bacalhau!

                  Fotos: Google Imagens     

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Sonhos perdidos!

Sou de uma geração que encarava o casamento como uma das etapas mais importantes da vida. Um compromisso que condicionava todo o futuro. E uma incógnita que o namoro, tantas vezes fugidio, não denunciava na plenitude.
Se o companheiro se revelava um ser com dimensão ética, cívica e humana, a vida tornava-se num sonho por que se lutava diariamente. 
Se, pelo contrário, da rifa emergia um camafeu insuportável, vivia-se num pesadelo sofrido, sem direito a ser interrompido.

Lembro bem das histórias, que a minha mãe contava, sobre casais desavindos, muitas vezes, desde o primeiro dia de vida de casados.
A violência doméstica, hoje vigiada e criminalizada, estava muito presente e era encarada com normalidade. 
Aceitava-se a ideia de que um homem poderia ser maldisposto e usar, se necessário, de coação verbal ou física para obter respeito e subserviência.

Minha mãe relembra histórias terríveis de suas amigas que viveram em constantes desavenças com os companheiros. Quase todas escondiam, por vergonha, sinais de violência de que eram vitimas.
Nesse tempo a pobreza grassava e as carências económicas tolhiam os afectos de sã convivência. Enquanto as mulheres permaneciam nas lides domésticas, os homens acantonavam-se nas tascas da aldeia onde procuravam afogar no álcool as agruras da vida. O que beneficiava as condições para o eclodir da violência doméstica.

Com a entrada da mulher no mercado de trabalho, a sociedade passou a olhar para o casamento com maior flexibilidade e tolerância. E ainda bem que assim foi, porque a convivência com alguém que deixamos de amar facilmente se transforma num tormento difícil de suportar.
Um casamento em que os afectos são esquecidos, em que o carinho e o erotismo deixam de fazer sonhar, é um casamento sem futuro. Um matrimónio que se transforma em parceria amigável, sem qualquer envolvência afectiva, caminhará, a passos largos, para o insucesso. 
Uma união que não desperte os sentidos, nem permite emergir a ilusão e a alquimia do amor, não oferece condições de continuidade.

Recordo uma história real, de que tenho breves reminiscências, lembrada por minha mãe: a do casal «Pedreiro», nosso vizinho d’outrora, desaparecido há décadas. O chefe de família, feio por natureza e rezinga por devoção, constantemente libertava os seus maus humores contra a mulher que escolheu para viver. Era raro o dia em que não se fizesse sentir, no lugar onde habitava, a sua voz de trovão, misturada com a gritaria aflitiva dos filhos e a espalhafatosa fuga da esposa. A irascibilidade era o estado de espírito mais comum no diário daquela família. 

O Pedreiro tinha hábitos massacradores: tecia durante a noite, obrigando todos, lá em casa, a fazer o mesmo. Durante o dia, acantonava-se nas tascas da aldeia e por ali permanecia até ficar totalmente ébrio. 
Com o vinho a fermentar no bucho e as ideias em incontroláveis ziguezagues etílicos, sempre chegava a casa com propósitos de vingar as frustrações da alma. Criando aos seus um constante desassossego e uma tragédia diária ao longo de toda uma vida!
Mas não era caso isolado na aldeia da minha infância. O alcoolismo era o antídoto de muitos para fazer face à penúria económica e social em que viviam. E as mulheres, sempre procurando esconder a realidade, eram as suas principais vítimas.
Em nome das aparências, quanta angústia sofrida, quanta violência dissimulada e quanta coragem reprimida. Em nome do sagrado sacramento do matrimónio, quantas vidas interrompidas e quantos sonhos perdidos!

                  Fotos: Google Imagens     

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Esperança

Gostei do último fim-de-semana. Foi agradável o convívio em Esposende, num dia com um típico clima equatorial. 
As conversas entre os convivas, alguns matando saudades de uma década de ausência física, fez com que o tempo passasse a correr. Sentia-se no ar uma alegria breve, feita de afectos e saudade. As luzes nocturnas da piscina, e toda a envolvência daquele lugar de sonho, emprestaram um ambiente de bem-estar e magia ao entardecer.
 
Uma vez mais se constata que, quando estamos predispostos, as emoções de proximidade ganham a importância merecida. 
E entrelaçam-se num convívio de palavras, memórias e afectos que ajudam a camuflar as incertezas do futuro.
Após um ano de rotinas e canseiras, o abraço de solidária familiaridade aproxima as pessoas e cria um clima cativo de emoções e de valorização do conceito de família. O resultado deste fim-de-semana traduz-se, precisamente, nisso: na constatação de que a família ganha importância quando os afectos se libertam de quaisquer preconceitos e mal-entendidos. E surge-nos como um dos refúgios mais sedutores nesta vivência colectiva feita de ausências e de inúteis querelas e canseiras.
A semana começa com uma chuva de verão. Um cenário equatorial, de chuva sacudida por ruidosas trovoadas, arrefece o calor dos últimos dias. Aos poucos, as pessoas iniciam o regresso das férias, com o terminar de um curto período de tempo em que são esquecidos os problemas da vida.
Daí que a aproximação do final deste período de descanso deixe, à alma de muitos, um leve sabor amargo de solitária inquietação, em face das incertezas dos tempos que se anunciam.
Mas, quase sempre, são estes os momentos em que se devem aproveitar os ventos favoráveis que surgem na vida de cada um. Na mesma onda a que referia Platão: "O que faz andar o barco não é a vela enfunada, mas o vento que não se vê".
Mais do que deixar que a sorte siga o seu caminho, há que enfrentar o regresso com aquele sentimento de que, por mais inquietantes que sejam os cenários, teremos sempre que alimentar a esperança em melhores dias. E, como reza o ditado, a esperança é o último sentimento a morrer!

                  Fotos: Google Imagens     

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Bom dia, Verão!









Está uma manhã calma e iluminada por um sol ainda tímido e ensonado. O céu oferece-se de azul. Apenas alguns dispersos farrapos brancos emprestam-lhe um ar de maturidade.
Ao atravessar os jardins, que me levam até ao posto de trabalho, olhei a lua e admirei a sua beleza pálida.
Está num crescendo, como que grávida de magia.
Em breve, mostrar-se-á cheia de esperança na renovação de um novo ciclo de vida.
Fixei-a, por momentos, e o futuro do passado surgiu, de imediato, na minha memória. Aliás, sempre que a avisto no céu, um murmúrio de sonhos envolve-me a alma e uma nostalgia de saudade senta-se a meu lado!

Dizem que a lua influencia o nosso destino colectivo. Que ela comanda as marés que regulam os oceanos naturais ou as que o nosso imaginário faz desaguar na alma. É bom que assim seja!
Pressinto-a em afloramentos de desejos quando, por exemplo, a maresia oferece-se misturada com o prateado das águas do imenso oceano, pela acção grata da sua luz. É ali que ela se veste de sabores salgados de mar e consegue que aqueles se transformem em momentos únicos.

Ao desviar o olhar do firmamento, regresso à vida acompanhado de uma manhã submersa num verde de azul distante. A natureza expõe-se em todo o esplendor ao sentir os macios ventos desaparecidos pelo calor. E ouço os monótonos bulícios da cidade que confirmam que a vida retoma a normalidade diária.

Esta é mais uma bela manhã de Agosto. O dia vai, de certo, espreguiçar-se pela mornice de um estio que, em breve, se extinguirá. Mas, ainda é tempo de despertar todos os desejos, que não sejam de silêncios contidos.
 Bom dia, Verão!
                  Fotos: Google Imagens     

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Desassossego

Não o larga aquele desespero miudinho que lentamente lhe corrói a alma. Tenta afastar as tempestades d’outrora, mas esse esforço é inglório. De vez em quando, a sombra do tempo, ou qualquer inútil informação, desperta-lhe um desassossego larvar. 
Que, apesar de rejeitado e espalhado pela espuma dos dias, emudece-o por incontroláveis períodos de tempo!

Esta cisma rouba-lhe o melhor que tem. A alma permanece desnudada. Apetece-lhe gritar os sufocos que a comprimem.
Sente a vida presa por um fio de emoções. Como um pássaro guardado numa entediante reserva, procura a liberdade que lhe permita sonhar até ao limite. E, no encalço da ousadia perdida, vê-se, lá longe, de olhar fixo, num horizonte feito de inquietude.
Apetece-lhe correr pelas falésias da vida já vivida. Desprezar a audição dos apelos medíocres feitos de vileza interesseira. E abrir os braços em concha, pressentindo o vento a saudar com eufórica determinação.
Mas sente-se perdido entre a gente e só se acha livre quando ganha a companhia do mar. 
É ali que repousa a alma e troca o desassossego pela serenidade.
Sabe que voltará a iludir esta vertigem feita saudade de um tempo feliz. Mas, mesmo assim, prefere perder-se entre as brumas do destino que o empurra para um espraiado mais distante. Esforça-se, mas não consegue libertar-se definitivamente do emaranhado das teias que o sepultam ainda vivo. E, vezes sem conta, ousa afastar a maldição dos pastores que lhe marcaram a vida. 
E que o impedem de gritar com a alma plena de liberdade. Daí a ventania de medos que há muito lhe arrastam incertezas e canseiras.
Acha-se sem forças para chamegar as emoções que lhe são próximas. Por isso, conclui que chegou a um destino sem retorno. A um limite de forças cada vez mais difíceis de controlar.
Mas não duvida que o futuro tem a maresia à sua espera. E, sabe bem, esse tempo está a chegar. E permanecerá por aqui … apesar deste constante desassossego!
                  Fotos: Google Imagens     

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Pobre país!

Mais um dia deste mês de Agosto que, uma vez mais, nasce cinzento. O céu está preso de nuvens que, apesar de elevadas, ameaçam cair em modos de chuva de verão. 
Até que não é mau este arrefecimento pontual do tempo pois, desta forma, a natureza deixa de ter razões para continuar a extinguir-se nas chamas dos incêndios, que este país tem de sobra.

Ano após ano, vemos repetir-se esta calamidade pública, apesar dos discursos políticos, sempre promissores, de que a prevenção será a aposta a seguir. 
Há várias décadas que o discurso não inova e que a situação não sai da cepa torta.
Sabemos bem que, também há muitos anos, a política deixou de ser a arte de servir o povo.
Se não existissem incêndios, muitos portugueses não tinham como ganhar o sustento. Porque estamos a falar de uma indústria que dá emprego a milhares de cidadãos e lucros extraordinários a investidores do ramo. 
Daí que, a meu ver, o cenário dramático de um país de terra queimada tem que se repetir com o dramatismo imprescindível à justificação do reforço dos meios. Ano após ano. Pobre país!

                  Fotos: Google Imagens     

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Conversas de mar!


Ali estava, com o olhar estendido pelo mar. A sua postura rígida, apesar dos seus quase oitenta anos, emprestava-lhe um aspecto de velho marinheiro com saudades do mar. Refugiava-se naquelas rochas altaneiras donde se ouvia o marulhar das águas em eterna inquietação. A visão do mar e os rugidos libertados contra os rochedos pareciam transmitir-lhe a serenidade e os silêncios de que carecia.
Não prestava a mínima atenção aos cenários que o rodeavam, tamanha era a fixação do mar. Nem as conversas dos mais próximos veraneantes, nem os mirones da nudez dos jovens casais, que se julgam protegidos pelas díspares volumetrias das rochas, nem o rumor mais longínquo da multidão, a banhos no espraiado da orla costeira, nada o fazia acordar do torpor em que se achava. Parecia querer embrenhar-se no mar!
Ao vê-lo ali, imperturbável e ausente do bulício natural da época, tive uma incontrolável vontade de entender o rumo que tinha tomado o destino daquele homem, de pose dura e interrogativa. Absorto de tudo e de todos, apenas lhe interessava sentir a inquietação do mar. Por isso, não deu conta da minha tímida, mas ousada, aproximação.
Ao abeirar-me, dei-lhe sinais de que era de paz. Daí que tenha iniciado a minha prosa com a bonomia do estado do tempo, fazendo justiça àquela tarde de intenso calor, só amansado pela aragem suave e pelas gotículas que o vento roubava à transpiração do mar.
Olhou-me de soslaio e acedeu ao cumprimento. Não sem antes me percorrer, com desconfiada atenção, dos pés à cabeça. À pergunta se era dali, de Vila do Conde, respondeu-me afirmativamente com um enfadado aceno da cabeça. Para dissipar quaisquer dúvidas sobre o meu arrojo em lhe dirigir a palavra, confessei-lhe que estava de passagem e que era de Braga.
Ainda bem que o fiz. Porque notei, de imediato, que gostou saber das minhas origens geográficas. Questionando-me, de seguida, o preciso local de minha residência. Após poucos minutos, confirmou-me que tinha nascido ali por perto, mais concretamente, em frente da Sé de Braga e que na adolescência tinha frequentado o Patronato de Nossa Senhora da Torre. Daí que se me dirigisse, com um sorriso triunfalista mas, ainda, um pouco cauteloso: «Sou mais bracarense que o senhor!».
Soube, depois, que a sua vida teve inícios de grande penúria económica e que, pelos vinte anos de idade, fora obrigado a rumar a Vila do Conde para conseguir um emprego. Mais tarde, como tantos outros compatriotas, emigrou para a França e para a Alemanha no encalço de melhores condições de vida.
Ficamos um bom tempo numa agradável conversa, fazendo o contraponto de vidas passadas e presentes. Gostei de conhecer aquele velho que deambulava, ora com os amigos pescadores, ora sentado numa rocha, de olhar fixo no mar. Bastou perceber que estava perante um conterrâneo de confiança para abrir as portas da sua vida. Esse seu gesto confirmou a tese de que nos podemos perder pela vida que sempre chegará o tempo em que as nossas raízes falam mais alto à emoção. E ainda bem que assim é!

                  Fotos: Google Imagens     

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Utopias, por navegantes!




Por vezes, fico encantado
Co’as noites brancas de luar
uma bela visão que me cativa.
Sem as sombras do passado
tenho sonhos verdes de mar
e a cor azul de expectativa.

Lá longe, o mar a abrir
nas ondas deste oceano
que escravizam até doer.
Saudades de o sentir
em todos os meses do ano
dando vida ao meu viver.

Por vezes, busco entender
os meus sonhos d’aventura
em contextos bem distantes.
Neste tempo, ao entardecer,
só um rio movido a ternura
troca utopias, por navegantes!


                  Fotos: Google Imagens     

Oxalá!








Por vezes, dou comigo a pensar sobre os caminhos que a vida de cada um percorre.
É de há muito este vício de olhar o rosto de quem passa para perscrutar a turbulência das águas em que navegam. 
Para procurar perceber as angústias e frustrações ou os sonhos e ilusões de que se faz a existência humana.
Porque cada ser humano tem a sua própria idiossincrasia e convive com o seu passado mais ou menos … futuro! Mas, como assim?
Foi Platão, filósofo da antiguidade clássica, que professou que «buscar e aprender, na realidade, não são mais do que recordar …». Esta tese defende que quando nascemos trazemos o conhecimento adquirido em vidas passadas. Platão acreditava que a alma, após a morte, reencarnava em outro corpo.
E por que não aceitar esta tese?
Sou dos que acreditam que, desde o nascimento, teimosamente caminhamos em busca da felicidade. Só dessa forma a vida ganha sentido. Embora o conceito de felicidade não seja igual para cada cidadão. No entanto, sempre nos extinguimos sem a alcançar.
Será por isso que regressamos à «vida» para procurar cumprir o sonho: o de atingir a felicidade plena. Mas, como ela é inalcançável, a vida torna-se numa rotina de existências terrenas, apesar de cada vez mais próximas do objectivo. 

Só assim se compreendem as injustiças que a natureza parece querer ser protagonista. É que sempre me impressionou a injustiça que existe em nascer-se numa família pobre ou numa família rica. Que culpa carregam os que têm o azar de nascer num meio social, económico e politico de má sorte, enquanto outros são beneficiados pela abundância?
Sempre me impressionou o facto de alguns serem dispensados ou rejeitados pela fealdade que exibem, enquanto que a beleza de outros cativa a bonomia e simpatia de todos. Que culpa têm as crianças que nascem em contextos de penúria extrema e com doenças malditas que os castigam desde a nascença, enquanto que outras fruem de uma natureza pródiga em qualidade de vida?
Mais do que as teses religiosas, sobre os desígnios de Deus, acredito no princípio da conservação da massa defendido pelo Químico francês, Antoine Lavoisier, de que «na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma». Que vai no encalço do que defende Platão: de que a vida não acaba na morte provocada por qualquer doença, acontecimento ou velhice. ou seja, «Tudo quanto vive provém daquilo que morreu».
Oxalá!
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                  Fotos: Google Imagens     

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Ai, este mundo louco!


Nos últimos dias a televisão entra-nos casa dentro com o desassossego das reportagens sobre os campos de refugiados em África. Uma situação nos limites da desumanidade. Inúmeras histórias de barbárie, conflitos internos, ganâncias e lutas pelo poder têm transformado aquele continente num local perigoso para se viver.

Ao longo dos últimos anos, emergiram, no negro continente, pátrias malditas, pela dor e sofrimento que infligiram aos povos residentes: Ruanda, Burundi, Somália, Chade, Quénia, Etiópia, Serra Leoa, Libéria, Sudão, Eritreia, República Democrática do Congo, entre outras.
Ancestrais lutas de tribos, algumas a desaguar em tenebrosos genocídios e horrendas limpezas étnicas, deram origem a gigantescos campos de refugiados, onde falta quase tudo.

Ultimamente, tem sido notícia o acampamento de Dadaab, no Quênia, que foi construido há 20 anos para abrigar 90 mil pessoas vindas da guerra civil da Somália, e que, na actualidade, abriga mais de 350 mil somalis. De acordo com uma previsão do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, até o final deste ano, Dadaab será a residência de 450 mil pessoas.
Construídos como refúgio de vida, esses acampamentos rapidamente se transformam em campos de concentração de máfias e de caos social, onde a perspectiva de melhores dias vai minguando com o tempo. Como pode ser pacífica e humanizada a administração de tantos milhares de pessoas em situação de pobreza extrema e sem perspectivas de futuro?

A história da humanidade está grávida de conflitos que resultaram em genocídios e matanças entre os povos. No século que vivemos, quantas guerras e quanto ódio foi semeado com consequências catastróficas para o homem?
Tudo isto, porque o individualismo constitui a coluna vertebral da humanidade. Infelizmente, onde existe o ser humano, sempre foi assim e sempre assim será. Apesar de alguns intervalos, mais ou menos generosos, o «salve-se quem puder!» tem imperado nas relações humanas.

O homem sempre foi e continua a ser o pior inimigo do homem. Por isso é que, quando dialogo com os afectos de proximidade, advirto-os para que confiem …sempre desconfiando!
Vivemos num tempo de egocentrismo sem precedentes. Em que as prioridades estão completamente invertidas.
Repare-se, por exemplo, nos milhões gastos, recentemente, na construção de inúteis estádios de futebol de luxo na África Austral, quando todo um continente sofre com a fome. E, sobretudo, na injusta repartição da riqueza ao dispor da humanidade.
Ai, este mundo louco!

                  Fotos: Google Imagens      

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Instantâneos …


Chegou cedo, como de costume. Sempre antes das oito horas!
Gostava de iniciar o dia quando a maioria ainda rolava pelas estradas ou geria um maior atraso nos seus compromissos. Ainda antes de ligar o computador, admirou o verde jardim que lhe acenava mesmo em frente do gabinete.

A oliveira é a árvore de maior proximidade.
Uma planta bela, apesar de vestida de uma cor de melancolia. Parece não ter pressa de se fazer à vida de adulto. Faz bem.
E, ao pensar assim, veio-lhe à memória que, um dia, alguém lhe tinha confessado que começamos a morrer quando nos tornamos adultos. Enquanto olhava aquele magnifico cenário matinal, gostava de relembrar que, por ali, passarão várias gerações de trabalhadores até que a oliveira atinja esse estado de maturidade.
Naquela manhã, os raios de sol, que lhe iluminavam as folhas, pareciam querer preenchê-la de carinhos. E até o vento, que costumava deambular por ali, sempre apressado, hoje não a quis perturbar. Está ausente … acho que de férias!
Aos poucos, avista a chegada dos carros que transportam mais trabalhadores. Mas o único ruído que perturba aquele momento de contemplação é o som monótono e fundo das máquinas que mantêm a empresa ligada à vida.
O principal objectivo da empresa é o atendimento de doentes. Um local que alimenta de esperança quase todos os que cá vêm. Ele confirmava tratar-se mais de esperança do que de certezas. Por aqui, nasce-se, vive-se e morre-se. Mas é a esperança que está mais presente na alma da gente.
De seguida, a sua vista fixa-se, mais ao longe, nos passos lentos das pessoas que caminham pelo empedrado azul da calçada. Sabe-se lá o que lhes vai na alma. Que direcção tomam as inquietações que carregam os seus rostos. Que angústias envolvem os corações que demandam estas paragens. A vida é sempre uma incógnita, a maioria das vezes, indecifrável!
O dia está lindo. Iluminado por um sol claro e acolhedor. Um sol que, aos poucos, aquece a madrugada fria deste Agosto meio solitário. Deste tempo de silêncios inquietantes. Um tempo que parece interminável, porque feito de esperas. Um tempo de sonhos que vão desvanecendo numa perturbadora melancolia com sabor a saudade!
Está uma manhã calma e serena. Um início de semana que não dá nas vistas. Talvez porque os sons do verão preferem outros contextos e sabores.
A ausência de vento agiganta a inquietude que toma conta dele. Porque há silêncios que magoam. Mas ele tem a certeza que, como este é um local de esperança, o sol vai aquecer… vai aquecer!

                  Fotos: Google Imagens      

domingo, 7 de agosto de 2011

O que mais me intriga ...

                                                                                                                                                               






"(...) O que mais me intriga e dói na nossa morte, como vemos na dos outros, é que nada se perturba com ela na vida normal do mundo. Mesmo que sejas uma personagem histórica, tudo entra de novo na rotina como se nem tivesses existido.

O que mais podem fazer-te é tomar nota do acontecimento e recomeçar. Quando morre um teu amigo ou conhecido, a vida continua natural como se quem existisse para morrer fosses só tu.
Porque tudo converge para ti, em quem tudo existe, e assim te inquieta a certeza de que o universo morrerá contigo. Mas não morre.

Repara no que acontece com a morte dos outros e ficas a saber que o universo se está nas tintas para que morras ou não. E isso é que é incompreensível - morrer tudo com a tua morte e tudo ficar perfeitamente na mesma. Tudo isto tem significado para o teu presente. Mas recua duzentos anos e verás que nada disto tem já significado. "
                                                                                                                       Vergílio Ferreira, in 'Escrever'
(Porque hoje o pensamento voa longe....)

                  Fotos: Google Imagens      

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Teias que a marginalidade tece

Frequentava, na época, a Universidade do Porto. Não fui aluno residente. Beneficiava da simpatia de algumas amiguinhas que me disponibilizavam os «apontamentos» das aulas que não podia participar. Só dessa forma conseguia frequentar a Universidade e, em simultâneo, desenvolver uma actividade profissional.
Um dia, pelo entardecer, seguia, solitário, por uma das ruas da zona dos Clérigos. Em certo momento, deparo com três jovens adultos que, ainda distantes, caminhavam na direcção contrária à minha. Um deles, abandonando o grupo, dirigiu-se-me, de braços abertos. Parei, surpreso, enquanto sentia o abraço inusitado do inesperado cavalheiro. Fiz um esforço de memória para o procurar nas minhas andanças de vida, mas nenhum estímulo despertou qualquer sinal.
O indivíduo, com uma conversa sedutora, determinada e afirmativa, foi-me confundindo com uma catadupa de questões sobre por onde tinha deambulado a minha vida. E, de quando em vez, intervalava a conversa com a repetida questão «Então, não me conhece, pá?».
Ora, a vivência dos meus 22 anos não permitia sonegar, àquela criatura, um diálogo que permitisse estabelecer o elo de ligação que me era sugerido. Pelo que caí na armadilha de antecipar os contextos por onde se fez o meu percurso de vida, a que o meu interlocutor sempre reafirmava ter estado, também, por ali. Acreditei, assim, que tinha sido meu colega no liceu e na vida militar, daí ter-me reconhecido.

Para comemorar o «reencontro», convidou-me, logo de seguida, a tomar «um copo» numa tasca que ficava no fim da rua. A taberna, velha de décadas, estava povoada por um pequeno grupo de enrugados velhinhos que saboreavam umas «malguinhas» de tinto, acompanhado de uns cigarros baratos e catarreiros. O meu «amigo» de ocasião requereu duas malgas, imediatamente após se ter dirigido à pequena e curiosa plateia com um afectuoso: «- são servidos?».
A conversa foi-se desenrolando à volta da vida daquele auto intitulado «futebolista do Penafiel» que gostava de ajudar os amigos, quer fosse mediante a disponibilidade do seu apartamento (sempre que, por razões académicas, necessitasse de ficar no Porto!), quer com dinheiro que, «graças a Deus, tinha de sobra».

Essa pequena nuance do discurso despertou-me uma crescente curiosidade sobre aquela patética figura e, aos poucos, fui-me apercebendo de que estava perante um farsante à caça de incautos. O sinal mais forte da minha desconfiança, foi a insolente insistência em emprestar-me dinheiro e a mal disfarçada tentativa em «segurar» a minha carteira, momentos antes de a tirar do bolso para pagar a conta.

Mas todas as dúvidas se dissiparam perante a inusitada e rápida alteração do discurso, revelada pelo insólito e descarado pedido para que lhe emprestasse «quinhentos escudos».
Foi ali mesmo que desmascarei aquele velhaco, provocando olhares curiosos e atónitos por parte dos presentes. Para além de lhe reafirmar, com arrojo, que ainda não tinha conseguido divisá-lo na minha vida, berrei-lhe que a conversa palavrosa em que me tentava enrolar já me cansava e que tudo terminaria por ali.

Quer a visível irritação daquele farsante, quer a repentina memória dos seus restantes companheiros, turvou a coragem de enfrentá-lo com maior ousadia, pelo que corri, apressado, rua acima, naquele entardecer já iluminado pelas noturnas luzes da cidade.
Temi, no momento, que os três meliantes me alcançassem. Porém, rapidamente cheguei a uma praça mais movimentada, pelo que considerei que o perigo tinha passado. Respirei de alívio quando entrei no transporte de regresso a casa e repousei o pensamento na análise do sucedido.
Aquela experiência de vida despertou-me para um outro lado da sociedade e fez-me compreender melhor as razões porque tantos são apanhados nas teias que a marginalidade tece.

                  Fotos: Google Imagens      

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Mar …

Hoje o dia amanheceu cinzento e menos quente. O mês de Agosto nem sempre é assim. A normalidade é sentir o irradiar do sol a aquecer os ânimos dos que demandam o imenso litoral deste meu país.

Impressiona como o mar exerce uma tão forte sedução em quase todos os que o conhecem. Aquele imenso lago, constantemente remexido, atrai e acolhe, de azul mais ou menos expressivo, os olhares cansados das rotinas do tempo.
Se a vida nos surpreende com algum caso mal resolvido, é lá que a alma se refugia. É na audição dos sons do mar que o silêncio se faz mais presente. É na admiração do seu orgasmo em espuma branca que a alma mais se enobrece. E é na fúria das águas de encontro às falésias que erguemos o olhar mais longe e perscrutamos horizontes distantes.

O mar tem diversos matizes e facetas. Mas é o mar de Inverno que mais me inquieta e seduz. Porque pressinto-o mais solitário nesses meses frios. É nesse contexto que gosto de o acompanhar, lado a lado, num percurso feito de aragens frescas e de ventos mais ousados em manhãs de neblina. Sinto um prazer quase infantil quando caminho lentamente pelo espraiado ou na proximidade da rebentação cadenciada e monótona. Outras vezes, por razões meteorológicas, adoro ficar, esquecido do tempo, no interior do carro, no cimo de uma qualquer falésia. Numa serena inquietude!

Não será por acaso que uma das palavras preferidas do meu vocabulário seja «maresia». Porque ela contém emoções elaboradas e retidas na alma ao longo da vida. Porque desperta contextos díspares e cenários multicolores. E porque é um vocábulo salpicado de gotículas que esvoaçam no vento quando o mar resmunga os seus humores nos rochedos solitários.
Maresia rima bem com energia, nostalgia e saudade. Saudade de um tempo novo. Saudade do futuro, da aventura e do desconhecido. Mas, também, saudade de partidas e chegadas... em liberdade!

                  Fotos: Google Imagens