sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Sonhar!


Um dia destes, encontrei o sonho, chegado de longe e carregando a saudade colada ao corpo. Disse-me, na hora, que morava num local encantador, donde partia o vento norte a percorrer mundo por dispersas aragens e paragens. 
Sentia-se bem acolhido por ali. Confessou-me que gostava de avistar as estrelas, sobretudo quando elas brilhavam deslumbrantes e algumas desapareciam em rastos de magia. E que voava para longe à conquista de amores fugazes, esvoaçando pela maresia da aventura e pelas palavras espalhadas em desejos proibidos.
Achava-se o centro do mundo. Na inocência de uma criança, ou na alma de um adulto, era sempre chamado a comandar as operações. Assumia-se como o sal da vida, porque sem ele tudo permanecia pasmado e numa sensaboria aborrecida.
O sonho tinha alguns amigos que estimava: o vento, o sol e o mar. 
De todos, o vento era o mais airoso, embora, por vezes, se mostrasse apressado e ruidoso, assustando tudo e todos por onde deambulava. 
Tinha momentos sem norte em que redemoinhava numa espécie de tontaria e assombro. 
Outras vezes, juntava-se com a chuva e exibia um comportamento irascível, levando o pânico à natureza confusa e derrubando tudo o que lhe surgisse pela frente.
Quando mais sereno, levava saudades em brisas de ternura para outras latitudes onde a emoção se espraiava. Era cúmplice de segredos guardados pela maresia. Sempre se soube que ajudava o sonho a concretizar secretas aventuras e encontros de amor.

O sol era, por temperamento, mais carinhoso e meigo. Nutria pelo sonho um calor especial. Sempre que surgia, mesmo após as noites frias de solidão, estendia os seus raios e pegava o sonho no seu colo. Apenas permitia ao vento a ousadia de soprar uma suave aragem quando o seu calor era em demasia.
Se a chuva chegava e o vento se lhe juntava, o sol desaparecia de mansinho e só regressava após os dois partirem para outras latitudes.
O sonho adorava o sol. Por este seu companheiro pintar a natureza com belas cores de primavera, que o faziam sonhar com maior intensidade. Quando permanecia mais tempo por ali, o sol espalhava ouro pelas searas de trigo e centeio, atraindo as aves para voos de liberdade, em pradarias sem fim.

Mas era o mar que o sonho mais procurava. Admirava-lhe a grandeza e o desassombro da vida que levava. Era o amigo mais corpulento e possante, por isso, abrigava-se nele sempre que podia. O sonho gostava de olhar o horizonte quando, pelo entardecer, o sol se preparava para se deitar nas águas do imenso lago.

Em momentos de maior cumplicidade, o sol observava o sonho a caminhar junto do espraiado, em silêncios perturbadores. Sabia que ele costumava andar por ali a dissecar a alma e a segregar as mágoas que as marés transportavam para longe. 
Pela calada da noite, o sonho refugiava-se na beira do mar, quer para desfrutar o seu cadenciado rugido, quer para apreciar a lua a vestir-se de águas de prata.
Aqueles eram os momentos em que se permitia fruir da sua vocação eterna: sonhar!

Fotografia:          Google Imagens

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