quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Pele de bacalhau!





Portugal está a viver um tempo de preocupante crise económica e financeira. 
Um calvário que já leva alguns anos e do qual ainda não se antevê qualquer «luz ao fundo do túnel».
A nível social, já nada é como era dantes. Os impostos cresceram, os salários reais diminuíram de forma acentuada e o desemprego grassa, quer na indústria, quer no comércio e serviços. 

A fome é uma tragédia espalhada pelo território nacional e a pobreza envergonhada emergiu de forma avassaladora. 
Este país arrisca-se a ver desaparecer, em pouco tempo, uma classe média que promovia empregos e dinamizava a economia.

Os nossos emigrantes, que todos os anos regressam pelo Verão, constituem um indicador deste estado de coisas. No início da emigração, era grande a diferença do seu poder de compra, quando comparado com o dos seus patrícios aqui residentes. 
Quase só os emigrantes exibiam bons carros e adquiriam terrenos para aí construírem moradias de qualidade. Eram eles que mais povoavam os restaurantes e as zonas de lazer e veraneio, estimulando um maior desenvolvimento da economia dos serviços.

Com a entrada de Portugal na Comunidade Europeia, na década de oitenta do século vinte, os salários reais cresceram a ponto de já não ser notada grande diferença dos rendimentos auferidos no estrangeiro. 
Os finais da década de oitenta e toda a década de noventa do século XX foram de grande pujança económica em Portugal, facto que fomentou um apreciável desenvolvimento na sociedade portuguesa.
Com o início do novo milénio, iniciou-se uma espécie de regresso ao passado, com o inexorável depauperamento do país, a pontos de se almejar a presença dos emigrantes em tempo de férias, na esperança de que se promova algum dinamismo na economia.

Apesar de tudo, espero que não se recue aos duros tempos da minha infância. Um tempo salazarento, em que, para além da guerra, nas chamadas colónias africanas, vivia-se numa grande penúria económica e social. 
Um tempo em que a emigração constituía a única saída de perspectivas de melhoria das condições de vida. 
Um tempo em que a pobreza se acantonava nas tascas imundas das aldeias, onde os homens bebiam o tempo que passava envoltos numa miséria feita de carências de primeira necessidade.
Minha mãe várias vezes contou sobre um seu vizinho, desses tempos difíceis, que sempre transportava, nos bolsos das calças, uma pele de bacalhau. 
E com ela cumpria uma repetida liturgia: chegava à taberna, pedia uma malguinha de tinto e, antes de a emborcar pela goela abaixo, besuntava os beiços com aquele indício de bacalhau. 
Assim, marcava a boca com o sabor salgado da pele daquele peixe seco, muitas vezes já surrada e rompida pelo repetido uso, e o vinho escorria, bem melhor acolhido, pela garganta sedenta.
Esperemos que esses tempos não voltem mais a este meu país. Que o desejo de um copo de tinto jamais seja favorecido pelo recurso a uma reles pele de bacalhau!

                  Fotos: Google Imagens     

Sem comentários:

Enviar um comentário