terça-feira, 16 de agosto de 2011

Conversas de mar!


Ali estava, com o olhar estendido pelo mar. A sua postura rígida, apesar dos seus quase oitenta anos, emprestava-lhe um aspecto de velho marinheiro com saudades do mar. Refugiava-se naquelas rochas altaneiras donde se ouvia o marulhar das águas em eterna inquietação. A visão do mar e os rugidos libertados contra os rochedos pareciam transmitir-lhe a serenidade e os silêncios de que carecia.
Não prestava a mínima atenção aos cenários que o rodeavam, tamanha era a fixação do mar. Nem as conversas dos mais próximos veraneantes, nem os mirones da nudez dos jovens casais, que se julgam protegidos pelas díspares volumetrias das rochas, nem o rumor mais longínquo da multidão, a banhos no espraiado da orla costeira, nada o fazia acordar do torpor em que se achava. Parecia querer embrenhar-se no mar!
Ao vê-lo ali, imperturbável e ausente do bulício natural da época, tive uma incontrolável vontade de entender o rumo que tinha tomado o destino daquele homem, de pose dura e interrogativa. Absorto de tudo e de todos, apenas lhe interessava sentir a inquietação do mar. Por isso, não deu conta da minha tímida, mas ousada, aproximação.
Ao abeirar-me, dei-lhe sinais de que era de paz. Daí que tenha iniciado a minha prosa com a bonomia do estado do tempo, fazendo justiça àquela tarde de intenso calor, só amansado pela aragem suave e pelas gotículas que o vento roubava à transpiração do mar.
Olhou-me de soslaio e acedeu ao cumprimento. Não sem antes me percorrer, com desconfiada atenção, dos pés à cabeça. À pergunta se era dali, de Vila do Conde, respondeu-me afirmativamente com um enfadado aceno da cabeça. Para dissipar quaisquer dúvidas sobre o meu arrojo em lhe dirigir a palavra, confessei-lhe que estava de passagem e que era de Braga.
Ainda bem que o fiz. Porque notei, de imediato, que gostou saber das minhas origens geográficas. Questionando-me, de seguida, o preciso local de minha residência. Após poucos minutos, confirmou-me que tinha nascido ali por perto, mais concretamente, em frente da Sé de Braga e que na adolescência tinha frequentado o Patronato de Nossa Senhora da Torre. Daí que se me dirigisse, com um sorriso triunfalista mas, ainda, um pouco cauteloso: «Sou mais bracarense que o senhor!».
Soube, depois, que a sua vida teve inícios de grande penúria económica e que, pelos vinte anos de idade, fora obrigado a rumar a Vila do Conde para conseguir um emprego. Mais tarde, como tantos outros compatriotas, emigrou para a França e para a Alemanha no encalço de melhores condições de vida.
Ficamos um bom tempo numa agradável conversa, fazendo o contraponto de vidas passadas e presentes. Gostei de conhecer aquele velho que deambulava, ora com os amigos pescadores, ora sentado numa rocha, de olhar fixo no mar. Bastou perceber que estava perante um conterrâneo de confiança para abrir as portas da sua vida. Esse seu gesto confirmou a tese de que nos podemos perder pela vida que sempre chegará o tempo em que as nossas raízes falam mais alto à emoção. E ainda bem que assim é!

                  Fotos: Google Imagens     

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