terça-feira, 23 de agosto de 2011

Sonhos perdidos!

Sou de uma geração que encarava o casamento como uma das etapas mais importantes da vida. Um compromisso que condicionava todo o futuro. E uma incógnita que o namoro, tantas vezes fugidio, não denunciava na plenitude.
Se o companheiro se revelava um ser com dimensão ética, cívica e humana, a vida tornava-se num sonho por que se lutava diariamente. 
Se, pelo contrário, da rifa emergia um camafeu insuportável, vivia-se num pesadelo sofrido, sem direito a ser interrompido.

Lembro bem das histórias, que a minha mãe contava, sobre casais desavindos, muitas vezes, desde o primeiro dia de vida de casados.
A violência doméstica, hoje vigiada e criminalizada, estava muito presente e era encarada com normalidade. 
Aceitava-se a ideia de que um homem poderia ser maldisposto e usar, se necessário, de coação verbal ou física para obter respeito e subserviência.

Minha mãe relembra histórias terríveis de suas amigas que viveram em constantes desavenças com os companheiros. Quase todas escondiam, por vergonha, sinais de violência de que eram vitimas.
Nesse tempo a pobreza grassava e as carências económicas tolhiam os afectos de sã convivência. Enquanto as mulheres permaneciam nas lides domésticas, os homens acantonavam-se nas tascas da aldeia onde procuravam afogar no álcool as agruras da vida. O que beneficiava as condições para o eclodir da violência doméstica.

Com a entrada da mulher no mercado de trabalho, a sociedade passou a olhar para o casamento com maior flexibilidade e tolerância. E ainda bem que assim foi, porque a convivência com alguém que deixamos de amar facilmente se transforma num tormento difícil de suportar.
Um casamento em que os afectos são esquecidos, em que o carinho e o erotismo deixam de fazer sonhar, é um casamento sem futuro. Um matrimónio que se transforma em parceria amigável, sem qualquer envolvência afectiva, caminhará, a passos largos, para o insucesso. 
Uma união que não desperte os sentidos, nem permite emergir a ilusão e a alquimia do amor, não oferece condições de continuidade.

Recordo uma história real, de que tenho breves reminiscências, lembrada por minha mãe: a do casal «Pedreiro», nosso vizinho d’outrora, desaparecido há décadas. O chefe de família, feio por natureza e rezinga por devoção, constantemente libertava os seus maus humores contra a mulher que escolheu para viver. Era raro o dia em que não se fizesse sentir, no lugar onde habitava, a sua voz de trovão, misturada com a gritaria aflitiva dos filhos e a espalhafatosa fuga da esposa. A irascibilidade era o estado de espírito mais comum no diário daquela família. 

O Pedreiro tinha hábitos massacradores: tecia durante a noite, obrigando todos, lá em casa, a fazer o mesmo. Durante o dia, acantonava-se nas tascas da aldeia e por ali permanecia até ficar totalmente ébrio. 
Com o vinho a fermentar no bucho e as ideias em incontroláveis ziguezagues etílicos, sempre chegava a casa com propósitos de vingar as frustrações da alma. Criando aos seus um constante desassossego e uma tragédia diária ao longo de toda uma vida!
Mas não era caso isolado na aldeia da minha infância. O alcoolismo era o antídoto de muitos para fazer face à penúria económica e social em que viviam. E as mulheres, sempre procurando esconder a realidade, eram as suas principais vítimas.
Em nome das aparências, quanta angústia sofrida, quanta violência dissimulada e quanta coragem reprimida. Em nome do sagrado sacramento do matrimónio, quantas vidas interrompidas e quantos sonhos perdidos!

                  Fotos: Google Imagens     

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