segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Navegar

Foto: Carlos da Gama


    Navega, descobre tesouros,
    mas não os tires do fundo do mar, o lugar deles é lá.
    Admira a Lua, sonha com ela,
    Mas não queiras trazê-la para Terra.
    Goza a luz do Sol, deixa-te acariciar por ele.
    O calor é para todos.

    Sonha com as estrelas, apenas sonha, elas só podem brilhar no céu.
    Não tentes deter o vento, ele precisa correr por toda a parte,
    ele tem pressa de chegar sabe-se lá onde.
    Goza a luz do Sol, deixa-te acariciar por ele.
    O calor é para todos.

    As lágrimas? Não as seques, elas precisam correr na minha,
    na tua, em todas as faces.
    O sorriso! Esse deves segurar, não o deixes ir embora, agarra-o!
    Quem amas? Guarda dentro de um porta jóias, tranca, perde a chave!
    Quem amas é a maior jóia que possuis, a mais valiosa.

    Não importa se a estação do ano muda, se o século vira
    conserva a vontade de viver, não se chega a parte alguma sem ela.
    Abre todas as janelas que encontrares e as portas também.

    Persegue o sonho, mas não o deixes viver sozinho.

    Alimenta a tua alma com amor, cura as tuas feridas com carinho.
    Descobre-te todos os dias, deixa-te levar pelas tuas vontades,
    mas não enlouqueças por elas.
    Procura! Procura sempre o fim de uma história, seja ela qual for.

    Dá um sorriso aqueles que esqueceram como se faz isso.
    Olha para o lado, há alguém que precisa de ti.
    Abastece o teu coração de fé, não a percas nunca.
    Mergulha de cabeça nos teus desejos e satisfá-los.
    Agoniza de dor por um amigo, só sairás dessa agonia se
    conseguires tirá-lo também.
    Procura os teus caminhos, mas não magoes ninguém nessa procura.
    Arrepende-te, volta atrás, pede perdão!
    Não te acostumes com o que não te faz feliz,
    revolta-te quando julgares necessário.

    Enche o teu coração de esperança, mas não deixes que ele se afogue nela.
                  Foto: Google Imagens     
    Se achares que precisas de voltar atrás, volta!
    Se perceberes que precisas seguir, segue!
    Se estiver tudo errado, começa novamente.
    Se estiver tudo certo, continua.
    Se sentires saudades, mata-as.
    Se perderes um amor, não te percas!
    Se o achares, segura-o!
    Circunda-te de rosas, ama, bebe e cala.
    “O mais é nada". 
                                                                                - Fernando Pessoa -


quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Murmúrios do mar ...



Esta ternura que sinto pelo mar,
onde me refugio na gestão dos silêncios
seja no Inverno ou em mês de Agosto,
ou quando a melancolia respira ansiedade,
 estimula desejos, pelo seu cheiro e gosto,
feitos de maresia e de ilusória saudade
e não desisto de construir, sem desanimar,
pujantes falésias, como um filho do mar!

(O mar …)
esse mistério, de confins e assombros,
onde meus antepassados construíram sonhos.
Esta imensidão azul, sempre a aumentar,
que nos aproxima, mesmo a separar!

Sempre que o adivinho mais encrespado,
é porque se aliou ao vento tresloucado
mensageiro de irónicos destinos
de várias aventuras e outros desatinos!

Quando um dia, enfim, eu partir
para as estrelas que cintilam no céu
levarei comigo a vontade de vigiar
 esta doce ilusão de pressentir,
em dias claros, ou em noites de breu,
os serenos ecos dos murmúrios do mar

  Carlos da Gama
                  Fotos:         Carlos  da  Gama

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Solidão


Solidão não é a falta de gente para conversar,
namorar, passear ou fazer sexo...
Isto é carência!
Solidão não é o sentimento que experimentamos pela ausência
de entes queridos que não podem mais voltar...
Isto é saudade!
Solidão não é o retiro voluntário que a gente se impõe,
às vezes para realinhar os pensamentos...
Isto é equilíbrio!
Solidão não é o claustro involuntário que o destino
nos impõe compulsoriamente...
Isto é um princípio da natureza!
Solidão não é o vazio de gente ao nosso lado...
Isto é circunstância!
Solidão é muito mais do que isto...
Solidão é quando nos perdemos de nós mesmos
e procuramos em vão pela nossa alma.
                                                                                                          Chico Buarque de Holanda
                  
                  Foto:         Carlos  da  Gama
                                                                                    

Sensaboria sofrida







Muitas vezes, olho nos olhos dos velhos sentados nos bancos dos jardins da minha cidade. 
E quase nunca descubro a luz viva de esperança e de bem-estar ou o encantamento que move os sentidos da alma. 
Dificilmente perscruto alegria, apesar da plácida bonomia ou serenidade.
Mais que o espanto pela velocidade com que os anos passaram, os rostos dos nossos maiores denunciam o peso da vida e a inquietação perante o futuro breve que o olhar, cansado e melancólico, advinha. 

A memória da minha infância descobre um contexto muito diferente do da actualidade: os velhos eram respeitados e valorizados no seio da família e da sociedade. Eram escutados com reverência e considerados pelo saber acumulado de toda uma vida. O seu exemplo era a melhor escola para as novas gerações. E ninguém se atrevia a desconsiderar ou a menosprezar um ancião.
A evolução operada na sociedade dos nossos dias alterou profundamente este estado de coisas. Os velhos passaram a representar um incómodo social. A revolução nas ciências e na tecnologia deixou de parte este estrato etário, empurrando-os para um distanciamento da família nuclear e alargada e o consequente enclausuramento em depósitos de iniquidade social.

Acostumei-me a aceitar que a velhice navega num mar de carências várias. Desde logo, carências afectivas. Mais do que as carências económicas, é a ausência do sentimento de proximidade, ternura e carinho que mais enruga a pele e calcina a alma.
Todo o ser humano ama entregar-se na inefável procura de ser amado ou, pelo menos, ser acolhido por um sorriso ou uma palavra de ternura. Na infância, porque nascemos sem estrutura para nos desenrascarmos sozinhos. Na juventude e na idade adulta, quando procuramos partilhar a nossa vida, esperando receber os afectos necessários para enfrentar a rotina dos dias. Na velhice, quando o passar dos anos arrastou o viço da juventude e o corpo iniciou uma irreversível caminhada de degradação física.

É difícil aceitar a perda de qualidade de vida, os sofrimentos do corpo e as desilusões que massacram a alma. Quando enfrentamos esse estado de espírito isolados do mundo, é mais difícil a caminhada rumo ao inexorável destino.
Por isso é que, vezes sem conta, vejo os velhos de olhar distante, de sonhos ausentes e resmungando um silêncio melancólico de aborrecimento com a vida.
Tal como iniciamos esta caminhada com a ajuda da família, também a velhice deve ser acompanhada para que não se transforme num tempo penoso e numa sensaboria sofrida. 

  Carlos da Gama

                  Fotos: Google Imagens     

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Saudade!


Quando voo pelos céus da magia
Num tempo sentido de felicidade
Custa superar esta angústia tardia
Todo o meu ser transpira saudade

Saudade mistura a memória viva
Sempre a reclamo como uma prece
Quanto maior é a dor d’expectativa
Maior é o alento que a alma carece

Saudade é sopro de vento norte
Irrompendo feliz e virado ao sul
Como o navio deixado à sua sorte
Espalha solidão por este mar azul

Saudade está para lá da amizade
Alimenta-se de maresia e ternura
E acredita que será na eternidade
Que vingará seu desejo d’aventura

Sinto a saudade do teu belo sorriso
Que exala energia, qual força motriz
Sendo só meu, de nada mais preciso,
Pois faz-se memória d’um tempo feliz!

  Carlos da Gama

                  Foto:         Carlos  da  Gama

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Chegou o Outono!




Chegou, apressado, o Outono do próximo Inverno. 
Empurrado pelo vento norte e aparentando estar zangado com tudo e todos. Mas, certamente, este ar de revolucionário se justifica por ter chegado um pouco atrasado à vida.
A natureza já tinha dado falta dele. Principalmente, os campos que continuavam sem o verde que reconforta a fome dos animais e das pessoas.
Chegados quase a Novembro, já se fazia sentir a ausência de água. E, também, os olhos mantinham-se ansiosos pelos caminhos de pétalas mortas, de orgias multicolores, em que os ocres, mais ou menos retintos, assumem a primazia.
Não foi, pois, surpresa a chuva forte, até porque já, há alguns dias, era anunciada. Mas surgiu, em ferozes bátegas, empurrada por um vento encrespado e fugidio.
Água e vento surgiram de rompante, entrando nos aconchegos, despertando alguns incautos e derrubando muitas árvores de mais frágil exposição.

Os anos habituaram-nos a sentir mais cedo o Outono frio e com alguma chuva espaçada no tempo. E a admirar os quadros bucólicos, de grande beleza, que sempre nos oferece esta estação de extraordinárias cores e matizes.
Apesar de nos preparar para um Inverno temido pela aspereza do frio e ausência de luz, o Outono é uma estação de que se gosta. 
É com ele que as castanhas ficam «quentes e boas», o vinho dá a conhecer o seu picão e sabor e o calor das lareiras junta as pessoas.
O Outono da minha infância era assim: frio de neve, casas aquecidas com a lenha recolhida no estio, longas conversas pela noite dentro e aconchego dos afectos familiares.
Apesar das carências, sentidas em muitos aspectos do quotidiano (quando comparado com os de hoje), sinto saudades do Outono da minha infância.
Talvez, porque esse foi o tempo em que me senti livre de compromissos, cativo da ternura da progenitora e fruindo da liberdade da inocência.
Lá fora, as fortes bátegas da chuva continuam a anunciar que chegou o Outono!

                  Fotos: Google Imagens     

domingo, 23 de outubro de 2011

Até quando?



«- (…) E é assim: tem confiança em ti própria, tu consegues! (…)».
Ouvi esta frase, há momentos, no passeio da cidade, quando regressava para mais uma tarde de trabalho. 
Foi pronunciada, ao telemóvel, por uma mulher de cerca de 50 anos.
Imaginei que estaria dando força a sua filha, ou a uma amiga muito querida, tal a era a ternura com que embrulhava as palavras de incentivo e conforto. 
No entanto, o seu semblante estava rígido e denunciava uma preocupação com a interlocutora que, imaginei, estivesse num processo inicial para qualquer etapa da vida.

Quando caminho pelas ruas deste meu país, gosto de olhar o rosto das pessoas para lhes adivinhar a idiossincrasia. Porque cada ângulo do rosto revela o estado de espírito em cada momento.
Ultimamente, vejo as pessoas com um caminhar mais esforçado, de olhar perdido, semblante triste e direcção confusa. As notícias dos últimos anos, sobretudo dos últimos meses, têm o fulcro numa simples palavra: crise! Crise no emprego, crise de valores, crise na sociedade, crise na justiça e crise na família. E isto sente-se na alma e reflecte-se no rosto.
O país entrou numa fase recessiva que, de início, foi pouco valorizada. Com o surgimento inesperado da crise mundial, tudo começou a desmoronar-se como um castelo de cartas.
Não admira, pois, que um recente estudo, sobre o consumo de fármacos, tenha concluído pelo preocupante e continuado aumento de anti-depressivos na população portuguesa.
Para além dos mais desfavorecidos da sociedade, a crise económica e financeira atingiu uma grande parte da classe média que, de um momento para o outro, se viu sem base de sustentação do nível de vida em que vivia. Por isso, cada vez mais se fala em pobreza envergonhada.

Para além dos consecutivos aumentos de impostos e do aprofundamento do desemprego, os trabalhadores do Estado passaram a ser os «bodes expiatórios» de tudo o que de mal correu a nível da economia do país. Daí à redução drástica de salários e pensões foi um ápice, a ponto de perderem cerca de um terço do salário, até ao momento.

Esta politica cega, de corte no rendimento das pessoas, conduz ao inevitável: as famílias ficam depauperadas e não investem nem dinamizam a economia. 
Não admira que as projecções da economia portuguesa para o próximo ano apontem para uma recessão de cerca de três por cento do Produto Interno Bruto.
Com este cenário, são milhares as empresas que abrem falência e muitas as famílias que, não podendo satisfazer os seus compromissos, ficam em situação de insolvência. 
Com a crise europeia sem dar sinais de abrandar, a incerteza do futuro agiganta o medo que toma conta das pessoas e das famílias.
Está justificada a imagem de ensimesmamento que inundou as ruas do meu país. As pessoas andam de rosto fechado e com a alma enegrecida por projectarem um futuro cada vez mais incerto.
Até quando?

                  Fotos: Google Imagens     

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Ironias do destino!




Tive o prazer de falar, um destes dias, com um velho amigo.
Conheci o Francisco quando eu vivia ainda o tempo de infância, sendo ele já um jovem adulto. 
Nascido num contexto de extrema pobreza, como a maioria das pessoas da sua aldeia, cedo se iniciou, na labuta pelo sustento, no duro trabalho do amanho do granito das pedreiras que cercavam o povoado. Mas, já há alguns anos que vive duma generosa aposentação resultante do trabalho, de cerca de três décadas, na Alemanha, para onde se viu forçado a emigrar nos difíceis tempos da ditadura.
O nosso encontro escorregou para uma conversa de memórias sobre o seu percurso de vida, tendo-me confidenciado alguns trechos, uns, mais divertidos, outros, nem tanto assim. Mas o que mais me perturbou e enterneceu foi o relato de quando ousou, em tempo de penúria, realizar o sonho de ter uma casa, apesar de não dispor de quaisquer possibilidades financeiras.

Era o tempo em que quase todos dependiam do trabalho nas terras dos proprietários. Outros, como ele, trabalhavam de noite numa indústria têxtil e, na parte da manhã, acumulava o esforço de ganha-pão numa pedreira dos montes da aldeia. Após o casamento com a mulher da sua vida, ficou a viver no mísero casebre que era habitado pelos seus progenitores. 
Sonhando com uma casinha que lhe desse maior privacidade conjugal e conforto, encheu-se de coragem e abeirou-se de um dos detentores de terras da aldeia para lhe mendigar um pouco de terra.

Perante o inusitado pedido, o latifundiário olhou-o de soslaio e retorquiu-lhe: - «Mas tu nem tens dinheiro para um saco de cimento, que fará para construir uma casa!». Ao que lhe respondeu que a família ajudaria no início da construção e que ele próprio se encarregaria de, a pouco e pouco, ir beneficiando a casa «de forma a não parecer mal!».
Com um sorriso sinistro, o Senhor do Souto, apontando para um morro, de sua propriedade, que ficava próximo, resmungou-lhe, sarcástico: - «Então, se assim é, pega em dois sacos e podes enchê-los com a terra que precisares!». 

Estas palavras, inundadas de hipocrisia e despidas de qualquer compaixão, doeram-lhe como se de um murro no estômago se tratasse. Sentiu o sabor amargo da impotência em poder, naquele preciso momento, responder àquela provocação. Mas a prudência falou mais forte e o meu velho amigo preferiu calar o insulto e afastar-se com a alma trespassada de raiva por aquele desprezível ser humano. 

Mas, como reza o ditado popular, «não há mal que sempre dure nem bem que não se acabe». 
E, passados uns anos, foi com pesar que assistiu ao declínio físico e psíquico do Senhor do Souto, que, no fim da vida, foi abandonado pelos filhos e por todos os que no passado lhe eram fiéis por obrigação. 
Enquanto que o Francisco emigrou para a Alemanha, onde nasceram os seus filhos. 
Na sua aldeia natal, adquiriu uma propriedade onde construiu a casa dos seus sonhos. Vive, hoje, respeitado pelos vizinhos e rodeado dos afectos de ternura que lhe chegam dos seus sete filhos.
Ironias do destino!

                  Fotos:         Carlos  da  Gama

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Vidas no lixo

Vale a pena «ganhar» uns breves instantes vendo este documentário.
Impressiona tanta desigualdade social. Dói olhar esta realidade no nosso mundo tão incoerente! É preocupante esta perversidade social! Esta lição de vida de uma sociedade dita de homens e mulheres. Onde está a justiça social? Acho que Deus anda distraído!


quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Um lugar tão especial!




Voltei, de novo, ao Baleal, pequena ilha situada ao norte de Peniche, para matar saudades de uns anos de ausência. Na última visita, efectuada àquele paraíso de abundantes ares marítimos, o meu cardume ainda pertencia ao infantado, fase da vida onde tudo é descomprometimento e descoberta.
Lembro bem as noites daquela instância de sonho onde, pelo entardecer, uns corpulentos insectos, de penugem loiro-avermelhada, nos visitavam em alvoroço. Ainda hoje lembramos a exuberância do Baleal naquela época e contexto, sempre recordando as aladas visitas.
É verdadeiramente surpreendente o sentimento de bem-estar que aquelas paragens incutem aos visitantes. Não admira, pois, que o escritor, Raul Brandão, tenha deixado, nos seus escritos, que aquela era «a mais linda praia de Portugal!».
Apesar de um pouco desleixada, pelo lixo que, aqui e ali, se espalha pelos cantos, a mistura dos cheiros de mar e da confecção de típicas iguarias gastronómicas nos seus inúmeros restaurantes, incutem ao visitante o sentimento ímpar de frugalidade e de acolhimento. 

A visão que ali se alcança, com o mar a preencher a paisagem, mais ao longe, bordada pelo casario de Peniche, prende-nos a alma por um tempo de pressas ausentes.
Apetece permanecer perdido na admiração dos rochedos que protegem a pacata «ilha», de ousada beleza e de finas areias brancas que fogem do alcance da nossa vista.
Na degustação de memórias vivas, vale a pena pedalar os cerca de 3500 metros de passeio, ladeado por generosas dunas, sentindo a brisa no rosto e os sonhos repousados na natureza em redor. 
E, ao final do dia, fruir de um pôr-do-sol de horizontes atlânticos, com as Berlengas, fundeadas ao longe, dando mais encanto ao sabor da maresia.
Ao partir do Baleal, somos invadidos por um sentimento de nostalgia e saudade. E pela certeza de, em breve, regressar a esta visão inspiradora de um lugar tão especial!

                  Fotos:         Carlos  da  Gama

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Saudades do futuro!




todas as viagens são de emoções
que o luar segrega em ternura
tão bom é ouvir o rumor do mar
como se escutam belas canções
e deixar a branca espuma acabar
num espraiado d’oiro e d’aventura!

por montes e vales intemporais
experimentar sabores de maresia
voar por falésias de cores frugais
embalar os sonhos com malvasia!

partir de encontro a outros destinos
com a liberdade que estava retida
sem perder de vista aqueles caminhos
que perduram na memória da vida!

sentir a alma de janelas abertas
olhando mais longe em cada dia
nas madrugadas em que despertas
alongar os silêncios pela pradaria
deixar que o poema fique maduro
para despertar saudades do futuro!

                  Fotos:         Carlos  da  Gama

sábado, 8 de outubro de 2011

A importância do silêncio!

  




Cheguei a Fátima, no final do primeiro troço da viagem de férias, já a noite estava iniciada. 
No parque, de estacionamento e pernoita, marcavam presença cerca de uma trintena de autocaravanas, a imensa maioria oriundas de países europeus. 
O espaço, generosamente iluminado, fica por detrás do Santuário, o que facilita a visita a qualquer hora.
Após o jantar, e apesar do esfriado da montanha, demos uma volta pelo recinto até à Capela das Aparições.
Ali, alguns estrangeiros, maioritariamente, indianos, italianos e espanhóis, organizados em grupos, terminavam o dia em cerimónias de fé.

 A noite foi serena e bem dormida. Logo pela manhã, visitamos, de novo, todo o recinto, incluindo a nova Igreja da Santíssima Trindade, que impressiona pela grandeza e riqueza, e a imagem do Papa João Paulo II. 
Apesar do fausto, que apetece criticar, num país onde a pobreza aumenta a cada dia, a sensação que nos envolve é de serenidade e paz. Respira-se, por ali, um ambiente de recolhimento.
Fátima é, sobretudo, um local de fé e de esperança. E a sua grandiosidade entranha-se na alma dos visitantes, a ponto de não se ter pressa de partir. 
Após a beatificação, pela Igreja Católica, de João Paulo II, a sua estátua, situada em frente da Igreja da Santíssima Trindade, é um ponto forte de peregrinação, onde as pessoas procuram ajuda para as angústias e as incertezas da vida.

Estive, por momentos, a apreciar o passeio de sacrifício, onde muitos crentes caminham de joelhos até à Capela das Aparições. 
Por vezes, com crianças ao colo. São promessas, feitas em momentos de aflição, que ali são redimidas.
É curioso o facto dos pagadores de promessas serem maioritariamente mulheres. 
Raramente se vê um homem a percorrer aquele imenso passeio, já luzidio pela quantidade de joelhos que lhes dá uso.
A imagem mais comum é a da mulher mãe, namorada ou esposa, a caminhar de joelhos, com os homens de pé, a seu lado, por vezes comprometidos pelos olhares de que são alvo.
A interpretação deste fenómeno, procuro-a, não só na permanência de resquícios de uma sociedade ainda medieval e machista, como na maior generosidade das mulheres do meu país em oferecer o seu sacrifício para que a sua vida e a dos seus afectos sejam protegidas pela fé.

Dizia-me, há tempos, um amigo que, apesar de não ser crente, gostava de visitar aquele recinto. Porque, confessava, sentia uma agradável sensação de serenidade e de paz e, também, porque ali percebia, com maior desassombro, a importância do silêncio!


                  Fotos:         Carlos  da  Gama

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Pulo do Lobo!




Chegamos à área de serviço de Vale de Parra, em Albufeira, pela tarde.
Foi agradável, por personalizada, a recepção. Daqui sente-se o cheiro da maresia que se produz a pouco mais de mil metros de distancia.
O percurso, desde Monsaraz até à Mina de São Domingos, foi difícil e agreste. 

A opção do caminho que tomamos em Serpa, a conselho de um cidadão local, viria a transformar-se numa aventura demasiado perigosa. 
Ao passar a Serra de Serpa, mais próximo do «Pulo do Lobo», a medíocre estrada abandona o alcatrão e a autocaravana passa a denunciar a sua passagem por tremores e solavancos e um contínuo rasto de pó.
Valeu o facto de serem escassos os viajantes por aquelas paragens. E os que se aventuravam pelos trilhos de terra batida, grávida de seixos rolantes e povoada por imensos buracos que, aqui e ali, a tornavam quase intransitável, faziam-no com veículos de tracção às quatros rodas.

Numa íngreme descida de barranco, com uma curva de cotovelo, senti o coração a apertar com o medo de que o veículo resvalasse para o precipício, de algumas dezenas de metros, sem qualquer protecção.
Ferindo o silêncio, que o momento inspirava, a minha companheira de viagem balbuciou uma atrevida pergunta: - «Estás com medo da descida?». Fingi não ter prestado atenção àquela inocente «provocação» e continuei emudecido para não acrescentar pânico ao súbito pavor da vertigem. 
Com a autocaravana engatada na primeira velocidade, e a passo de caracol, lá consegui descer a ladeira de cerca de 200 metros e reconquistar a tranquilidade interrompida. Apesar do piso continuar miserável, lá fomos subindo a montanha descarnada de terra e onde a vegetação se espalha pelo empedrado daquela aridez desértica.

                  Foto:         Google
O «Pulo do Lobo», local de belas paisagens agrestes, ficará na memória assombrada da minha vida, por esta passagem inundada dos medos, que tive de refrear, pela descida daquele barranco íngreme até ao minúsculo afluente do Guadiana. 
Para o futuro fica a prudência de sempre seguir o percurso planeado deixando para segundas opções os conselhos de locais bem-intencionados mas que demonstram ignorar as exigências de um veículo com a dimensão e o peso de uma autocaravana.
Apesar de tudo, valeu a pena. E um dia, por certo, visitarei, com a tranquilidade de outro meio de transporte, o Pulo do Lobo!

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Penteadores de areia!

Ultimamente, tenho aconselhado os meus amigos e mais próximos familiares a não assistirem aos telejornais. Porque estes teimam, em cada dia, a acrescentar depressão à vida, tamanho é o rol de más notícias que debitam. 
Já há muito que me fartei de seguir esses programas noticiosos, optando por me refugiar na internet onde possuo suficiente poder de escolha. 


É verdade que os tempos estão difíceis neste meu país de oito séculos de história. Mas, convenhamos, trata-se de um fenómeno que ciclicamente se repete. Após um período de algum optimismo económico e social, segue-se um outro a corrigir o pretenso viver de dinheiro emprestado. Tem acontecido sempre este fado!
Quem se der ao trabalho de ler o Eça de Queiroz, sobre a situação política, económica e social do século XIX, logo se apercebe das semelhanças com a difícil época que atravessamos. É dele a célebre frase, tão actual nos nossos dias: «Políticos e fraldas devem ser trocados de tempos em tempos pelo mesmo motivo».


Ontem, como hoje, o custo de vida agrava-se a cada dia, o trabalho escasseia e as falências seguem-se a um ritmo assustador. Os pobres ficam mais pobres e uma boa parte da burguesia vive uma pobreza envergonhada. 
O desemprego tem levado à falência de muitas economias familiares e ao desespero dos jovens que vêm o seu futuro adiado.

Mas o povo português sempre soube dar a volta por cima, reinventando a forma de ganhar a vida, fazendo justiça ao significado chinês da palavra crise: uma oportunidade! São muitos os que aproveitam a maré de «vacas magras» para apostar em projectos de futuro. E outros, mais modestos, recorrem-se das mais inusitadas ocupações para angariar o sustento de que carecem.


Há tempos, escrevi sobre a «Quimera do Tio Quico», um sonho semelhante à «Quimera do Ouro» de tempos imemoriais, que levou ao êxito de poucos e à desgraça de muitos. 
Mas outras quimeras, feitas de expectantes alquimias, são prosseguidas um pouco por toda a parte. Pois são insondáveis os caminhos da imaginação do homem.

Há dias assisti, incrédulo, a uma nova forma de angariação de recursos. Em plena praia, deserta de fim de verão, um homem passava um pente pela areia nos locais presumivelmente ocupados pelos veraneantes durante os meses de estio. 
Em cada esforço de varrimento da areia, procurava que no pente ficasse retido algum objecto de valor ou, quiçá, alguns euros por ali esquecidos.

Esta imagem fez-me acordar para a dura realidade económica e o dramático estado social a que o país chegou. 
Senti algum desconforto perante a determinação daquele ser humano que alimentava o sonho de encontrar algo de valor que justificasse o esforço.
E fui invadido por um sentimento de ternura pelos homens e mulheres do meu país que a necessidade transformou em penteadores de areia!

                  Foto:         Carlos  da  Gama

Alentejo de água doce



Coloquei-me sobre as muralhas de Monsaraz para melhor escrever estas breves notas. À minha frente admiro uma paisagem de sonho. 
O Alqueva acrescenta beleza a este Alentejo. São inúmeras as lagoas que povoam os campos, outrora de outras cores e matizes.
A ocupação dos baixios pela água fez o Alentejo ganhar a cor do céu, ora com pinceladas de azul-turquesa, ora com uma tonalidade mais anil, ora com um prateado misturado com o oiro das searas. Todo o conjunto é de uma beleza extraordinária.

Visitar Monsaraz é ganhar saudades de lá regressar. São cerca de 19 horas desta tarde de Setembro que, de tão ensolarado e quente, faz lembrar o mês de Julho. 
Regressei, há momentos, da visita à cidadela, que se esconde por dentro das muralhas altaneiras. 

Estamos perto de Espanha, pelo que os povos de outrora colocavam a sua vida em locais ermos que permitiam uma melhor defesa dos saques e conquistas bárbaras.
Entra-se na cidadela por um belo pórtico e, de imediato, ganha-se a sensação de que se está num presépio com figurantes de corpo inteiro. 

Tudo aqui é de dimensão mais reduzida.
As casas apinham-se encostadas umas às outras deixando, apenas, o espaço para as estreitas ruas onde a vida passa devagar. 
Algumas são tão pequenas que se entranham na muralha granítica.

Está um silêncio penetrante, só cortado por distantes monossílabos de outros linguajares e horizontes.
Fazem-nos companhia alguns autocaravanistas belgas, ingleses, franceses e italianos.
 De vez em quando, levanto o olhar e descanso a vista pela imensa paisagem. Valem ouro estes momentos que desejamos eternos. 
Porque é muito belo este imenso Alentejo de água doce.


                  Fotos:         Carlos  da  Gama

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Assim, não se vai lá!



Retornam os incêndios a este país num tempo que já não é de sua «época». De facto, o mês de Outubro inicia-se quente, como foi o Setembro da minha viagem, de que aqui darei conta nos próximos escritos.
Já um dia escrevi sobre os «fogos de verão» que assolam, de norte a sul, este pequeno rectângulo português e que parecem constituir um das indústrias mais rentáveis, nos tempos que correm. Porque, quando um alerta de fogo se faz presente logo acorrem dezenas de bombeiros com toda a parafernália de instrumentos de combate. E, quase sempre, os meios aéreos, para largar água em abundância no apoio ao combate feito em terra.
Tudo isto custa os «olhos da cara» a este endividado país. Desde que se inventou a «época de fogos» que, segundo creio, vai de Junho a Setembro, o país foi sendo consumido numa liturgia de terra queimada de grande interesse económico para alguns.
É impensável a inexistência de fogos nos meses de maior calor. Porque, a acontecer, muitos ficariam sem o «ganha-pão» e sem poder rentabilizar os equipamentos de combate.
Tenho pela missão dos soldados da paz um enorme respeito e admiração. Sei da abnegação de muitos no socorro das populações que se confrontam com tragédias ocasionais. Mas, nos últimos anos, têm-se cometido exageros.

Estou no meu último dia de férias em Albufeira, já quase no final de Setembro. Num passeio vespertino, dei conta de uma coluna de fumo a erguer-se num campo de restolho sem árvores de valor. Quase de imediato, ouço as sirenes dos bombeiros a anunciar a sua aproximação ao «sinistro». Mais longe, outras sirenes de bombeiros pareciam vir naquela direcção e, pasme-se, um helicóptero surge a sobrevoar os cerca de cem metros quadrados de feno que ardia em labaredas rasteiras.
Aproximei-me mais um pouco e contei cinco carros de bombeiros (oriundos de Albufeira, Silves e Messines), um helicóptero, que se apressou a abandonar o local, certamente pelo ridículo do seu chamamento, e um carro-patrulha da Guarda Nacional Republicana, a registar a ocorrência.
Meu Deus! Como foi possível que uma inofensiva «fogueira» tenha dado azo a tanto alarido e a uma despesa a acrescer ao depauperado orçamento nacional.
Fiquei triste pelo cenário que confirmei «in loco». E pensei que este país não tem emenda! Num tempo em que não existe dinheiro, sequer, para «mandar cantar um cego», um simples arder de feno, num campo sem árvores ou casario, foi o motivo maior para que tantos homens e equipamentos tenham promovido mais uma inútil despesa.
É caso para dizer: «Assim, não se vai lá»!

                  Foto:         Carlos  da  Gama