quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Ironias do destino!




Tive o prazer de falar, um destes dias, com um velho amigo.
Conheci o Francisco quando eu vivia ainda o tempo de infância, sendo ele já um jovem adulto. 
Nascido num contexto de extrema pobreza, como a maioria das pessoas da sua aldeia, cedo se iniciou, na labuta pelo sustento, no duro trabalho do amanho do granito das pedreiras que cercavam o povoado. Mas, já há alguns anos que vive duma generosa aposentação resultante do trabalho, de cerca de três décadas, na Alemanha, para onde se viu forçado a emigrar nos difíceis tempos da ditadura.
O nosso encontro escorregou para uma conversa de memórias sobre o seu percurso de vida, tendo-me confidenciado alguns trechos, uns, mais divertidos, outros, nem tanto assim. Mas o que mais me perturbou e enterneceu foi o relato de quando ousou, em tempo de penúria, realizar o sonho de ter uma casa, apesar de não dispor de quaisquer possibilidades financeiras.

Era o tempo em que quase todos dependiam do trabalho nas terras dos proprietários. Outros, como ele, trabalhavam de noite numa indústria têxtil e, na parte da manhã, acumulava o esforço de ganha-pão numa pedreira dos montes da aldeia. Após o casamento com a mulher da sua vida, ficou a viver no mísero casebre que era habitado pelos seus progenitores. 
Sonhando com uma casinha que lhe desse maior privacidade conjugal e conforto, encheu-se de coragem e abeirou-se de um dos detentores de terras da aldeia para lhe mendigar um pouco de terra.

Perante o inusitado pedido, o latifundiário olhou-o de soslaio e retorquiu-lhe: - «Mas tu nem tens dinheiro para um saco de cimento, que fará para construir uma casa!». Ao que lhe respondeu que a família ajudaria no início da construção e que ele próprio se encarregaria de, a pouco e pouco, ir beneficiando a casa «de forma a não parecer mal!».
Com um sorriso sinistro, o Senhor do Souto, apontando para um morro, de sua propriedade, que ficava próximo, resmungou-lhe, sarcástico: - «Então, se assim é, pega em dois sacos e podes enchê-los com a terra que precisares!». 

Estas palavras, inundadas de hipocrisia e despidas de qualquer compaixão, doeram-lhe como se de um murro no estômago se tratasse. Sentiu o sabor amargo da impotência em poder, naquele preciso momento, responder àquela provocação. Mas a prudência falou mais forte e o meu velho amigo preferiu calar o insulto e afastar-se com a alma trespassada de raiva por aquele desprezível ser humano. 

Mas, como reza o ditado popular, «não há mal que sempre dure nem bem que não se acabe». 
E, passados uns anos, foi com pesar que assistiu ao declínio físico e psíquico do Senhor do Souto, que, no fim da vida, foi abandonado pelos filhos e por todos os que no passado lhe eram fiéis por obrigação. 
Enquanto que o Francisco emigrou para a Alemanha, onde nasceram os seus filhos. 
Na sua aldeia natal, adquiriu uma propriedade onde construiu a casa dos seus sonhos. Vive, hoje, respeitado pelos vizinhos e rodeado dos afectos de ternura que lhe chegam dos seus sete filhos.
Ironias do destino!

                  Fotos:         Carlos  da  Gama

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