quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Sensaboria sofrida







Muitas vezes, olho nos olhos dos velhos sentados nos bancos dos jardins da minha cidade. 
E quase nunca descubro a luz viva de esperança e de bem-estar ou o encantamento que move os sentidos da alma. 
Dificilmente perscruto alegria, apesar da plácida bonomia ou serenidade.
Mais que o espanto pela velocidade com que os anos passaram, os rostos dos nossos maiores denunciam o peso da vida e a inquietação perante o futuro breve que o olhar, cansado e melancólico, advinha. 

A memória da minha infância descobre um contexto muito diferente do da actualidade: os velhos eram respeitados e valorizados no seio da família e da sociedade. Eram escutados com reverência e considerados pelo saber acumulado de toda uma vida. O seu exemplo era a melhor escola para as novas gerações. E ninguém se atrevia a desconsiderar ou a menosprezar um ancião.
A evolução operada na sociedade dos nossos dias alterou profundamente este estado de coisas. Os velhos passaram a representar um incómodo social. A revolução nas ciências e na tecnologia deixou de parte este estrato etário, empurrando-os para um distanciamento da família nuclear e alargada e o consequente enclausuramento em depósitos de iniquidade social.

Acostumei-me a aceitar que a velhice navega num mar de carências várias. Desde logo, carências afectivas. Mais do que as carências económicas, é a ausência do sentimento de proximidade, ternura e carinho que mais enruga a pele e calcina a alma.
Todo o ser humano ama entregar-se na inefável procura de ser amado ou, pelo menos, ser acolhido por um sorriso ou uma palavra de ternura. Na infância, porque nascemos sem estrutura para nos desenrascarmos sozinhos. Na juventude e na idade adulta, quando procuramos partilhar a nossa vida, esperando receber os afectos necessários para enfrentar a rotina dos dias. Na velhice, quando o passar dos anos arrastou o viço da juventude e o corpo iniciou uma irreversível caminhada de degradação física.

É difícil aceitar a perda de qualidade de vida, os sofrimentos do corpo e as desilusões que massacram a alma. Quando enfrentamos esse estado de espírito isolados do mundo, é mais difícil a caminhada rumo ao inexorável destino.
Por isso é que, vezes sem conta, vejo os velhos de olhar distante, de sonhos ausentes e resmungando um silêncio melancólico de aborrecimento com a vida.
Tal como iniciamos esta caminhada com a ajuda da família, também a velhice deve ser acompanhada para que não se transforme num tempo penoso e numa sensaboria sofrida. 

  Carlos da Gama

                  Fotos: Google Imagens     

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