O céu está forrado de roupagem cinzento-escura. Não
existe vento a incomodar a natureza e a longa estrada de água que se exibe à
minha frente torna este cenário sublime.
O horizonte está mais iluminado,
colorindo as nuvens de acromia amarelecida com espaços coralinos miscigenados de
um suave azul celeste. De quando em vez, um barco de recreio aventura-se
rio acima acordando as águas do remanso em que se encontram. Um cavalheiro
surge ao fundo, encabeçado por uma touca vermelha de lista branca na base, numa
alusão à noite natalícia que lentamente se aproxima.
Há momentos, chegou uma autocaravana francesa que
se instalou neste cantinho de Esposende para aqui passar a noite. São os
nómadas do nosso tempo que, com casa sobre rodas, viajam pelo mundo, quase
sempre, na busca de sol e mar.
Não por acaso, iniciei a leitura do livro de
Miguel Sousa Tavares «Não se encontra o que se procura», oferta de natal dos
meus afectos do coração - o Carlos Eduardo e a Ana Alexandra - que me transporta para esta forma de liberdade de olhar o mundo.
Das escassas
páginas lidas, retenho este pequeno trecho, verdadeira síntese da filosofia de
um autocaravanista: “Se pudesse ter uma
vida paralela, gostaria de ter a vida de um caracol, carregando comigo a casa e
plantando-a onde houvesse sol e silêncio, onde houvesse mar e espaço, onde
houvesse tempo e distância”.
Este é também um dos meus maiores prazeres: viajar
com a casa sobre rodas, dando qualidade de vida ao tempo que me resta viver.
Viajar na aventura, sem rumo nem tempo, na convicção de que mais do que o destino, importa a viagem.
Neste momento, apercebo-me de que o entardecer
emerge, precoce e lentamente, embalado por um horizonte escarlate por entre um silêncio
que nem o esvoaçar das gaivotas importuna.
Adoro este lusco-fusco da tarde quando, diante de
mim, se deslumbra um espelho de água onde se avistam dispersas colunas de luz
de fogo trazidas pelos lampiões da marginal. Amo presenciar a cumplicidade dos parcos
transeuntes que, aos pares, caminham apressados no passadiço de madeira que
corre ao lado do Cávado. O próprio ruído do trânsito, que circula na estrada mais
recuada, parece irmanar-se à natureza calma deste início de noite de paz. Daqui
a nada, regresso à casa onde as obreiras da gastronomia natalícia preparam o
jantar mais esperado do ano. É este ritual pagão que junta os afectos num
convívio que se deseja animado e feliz. Oxalá!
Espero que a leitura desse livro sirva para aumentar ainda mais o gosto que tens por viajar. Um enorme abraço aqui deste lado.
ResponderEliminarVai servir, sim... bjo
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