Encontravam-se junto à praia, no
conforto do VW Golf, ouvindo a RFM e o som mortiço do mar que, naquele dia,
estava mais cavado e meio escondido por uma névoa cinza.
As notícias davam conta da recente
tragédia: um naufrágio de pescadores no mar da Galiza.
Nem por acaso, a
localidade onde estavam era fértil em naufrágios que, em cada ano, arrastavam
jovens e velhos pescadores para as fatalidades bem conhecidas das gentes do mar. A conversa acantonou-se por ali,
desaguando, inevitavelmente, no sentido que damos à vida.
Corremos, corremos sempre, sem
vislumbrarmos atrás de quê. Sem nos apercebermos que os dias passam devagar mas
os anos passam depressa.
Quando, por vezes, olhamos para o caminho
já trilhado, descobrimos a razão da contínua flacidez dos músculos e do
quebradiço do corpo.
De repente confirmamos que já passou um par de décadas, sem
darmos conta.
Apenas pelo crescimento dos afectos e pela decadência progressiva
dos nossos maiores é que melhor assimilamos a condição humana.
Quando, ainda menino, observava os
adultos, condescendia que já tinham subsistido muito tempo e que o seu
desaparecimento constituía um processo justo. Já tinham vivido tanto, pensava!
Hoje sente que assim não é. Descobre
que só muito raramente o desgaste do corpo acompanha o da mente. E, perante um
tempo médio de vida tão curto, interroga-se sobre se o estilo de vida por que
optamos valerá a pena.
Questiona, mais que nunca, se damos valor aos pequenos
instantes, como, por exemplo, olhar o mar e as inquietações das suas ondas.
Ou
sentir a vertigem do vento, os mistérios da noite e o assombro das montanhas.
Ou
ouvir o calmo marulhar das aves e gozar a volúpia do sol que esverdeia as
plantas.
Ou, ainda, deslumbrarmo-nos com a pujança da primavera, os matizes
outonais e o eterno recomeçar, após o recolhimento da noite húmida e fria.
E,
sobretudo, se damos a devida atenção aos nossos afectos nucleares.
Por vezes, sentimo-nos sós na
encruzilhada da vida porque não sabemos aproveitar o essencial. Desnorteados e
atónitos, sentimo-nos perdidos. Parece que desaprendemos a olhar em frente. A
caminhar com solidez. A dar atenção apenas ao que vale mais a pena. Sobretudo,
ao deleitamento dos afectos.
Como escreveu Antoine de
Saint-Exupéry, «Só se vê bem com o
coração. O essencial é invisível aos olhos».
Sem comentários:
Enviar um comentário