segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Olhar em frente






Encontravam-se junto à praia, no conforto do VW Golf, ouvindo a RFM e o som mortiço do mar que, naquele dia, estava mais cavado e meio escondido por uma névoa cinza.
As notícias davam conta da recente tragédia: um naufrágio de pescadores no mar da Galiza. 
Nem por acaso, a localidade onde estavam era fértil em naufrágios que, em cada ano, arrastavam jovens e velhos pescadores para as fatalidades bem conhecidas das gentes do mar. A conversa acantonou-se por ali, desaguando, inevitavelmente, no sentido que damos à vida.
Corremos, corremos sempre, sem vislumbrarmos atrás de quê. Sem nos apercebermos que os dias passam devagar mas os anos passam depressa. 

Quando, por vezes, olhamos para o caminho já trilhado, descobrimos a razão da contínua flacidez dos músculos e do quebradiço do corpo. 
De repente confirmamos que já passou um par de décadas, sem darmos conta. 
Apenas pelo crescimento dos afectos e pela decadência progressiva dos nossos maiores é que melhor assimilamos a condição humana.
Quando, ainda menino, observava os adultos, condescendia que já tinham subsistido muito tempo e que o seu desaparecimento constituía um processo justo. Já tinham vivido tanto, pensava!
Hoje sente que assim não é. Descobre que só muito raramente o desgaste do corpo acompanha o da mente. E, perante um tempo médio de vida tão curto, interroga-se sobre se o estilo de vida por que optamos valerá a pena. 
Questiona, mais que nunca, se damos valor aos pequenos instantes, como, por exemplo, olhar o mar e as inquietações das suas ondas. 
Ou sentir a vertigem do vento, os mistérios da noite e o assombro das montanhas. 
Ou ouvir o calmo marulhar das aves e gozar a volúpia do sol que esverdeia as plantas. 
Ou, ainda, deslumbrarmo-nos com a pujança da primavera, os matizes outonais e o eterno recomeçar, após o recolhimento da noite húmida e fria. 
E, sobretudo, se damos a devida atenção aos nossos afectos nucleares.
Por vezes, sentimo-nos sós na encruzilhada da vida porque não sabemos aproveitar o essencial. Desnorteados e atónitos, sentimo-nos perdidos. Parece que desaprendemos a olhar em frente. A caminhar com solidez. A dar atenção apenas ao que vale mais a pena. Sobretudo, ao deleitamento dos afectos.
Como escreveu Antoine de Saint-Exupéry, «Só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos».

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