terça-feira, 13 de setembro de 2011

Amizade


A infância e a adolescência constituem um tempo de fermentação de ideias, de descoberta da vida e de constante aprendizagem. 
Daí a importância dos livros que nos chegam às mãos e das leituras que fazemos numa época em que o jovem ser humano afigura-se à crisálida que vive um processo de metamorfose que desaguará no desabrochar exuberante para a vida.
Quando adolescentes, senhores de uma sã rebeldia, a preferência vai para palavras e contextos de cariz mais aventureiro. 
Enquanto que a juventude, mais comprometida com crenças e valores, conduz a atenção para temas filosóficos e de compreensão do ser humano.
São os conceitos que absorvemos, nas leituras de nossa opção, que ajudam a moldar a personalidade que nos acompanhará na fruição da vida toda. Comigo, foi assim que aconteceu. 
Ainda hoje bebo da influência do pensamento do filósofo e matemático, que foi prémio nobel da literatura (1950), Bertrand Russel, que, muito cedo, aprendi a admirar e a seguir. Depois de o ler, tudo na minha vida foi diferente a nível de visão do homem, da sociedade e do mundo.

Um dos aspectos mais relevantes da vida em comunidade, que aprendemos, mas que nem sempre apreendemos, é o respeito pelos outros. E, fundamentalmente, a ética da amizade.
Sempre sugeri, aos afetos de proximidade, que, em relação ao seu semelhante, deveriam confiar … desconfiando! Ou seja, não confiar fácil e imediatamente.
Lembro bem a inquietação que as minhas palavras produziram na sua alma, denunciada pela pose interrogativa do semblante. Sabia que na sua idade apenas cabiam sonhos de uma sociedade solidária em que a amizade e o amor emergiam como dominadores naturais.
Procurei explicar-lhes que a normalidade não era dessa cor e que na sociedade nem tudo era a preto e branco. Sugeri que sempre deveriam manter uma postura de «pé atrás» com o ser humano, qualquer que fosse a classe social. Porque, se encontramos na vida pessoas extraordinárias, muitas há que se vêm a revelar autênticos pesadelos. 

Já Camilo Castelo Branco, um dos expoentes da literatura portuguesa, deixou-nos um magnífico soneto com o título «Os amigos», numa definição que concordo, em absoluto! 
O «torturado de Seide» descreveu, com singular dramatismo, as emoções que sentiu na sua própria experiência de vida, no momento que mais estava dependente desse sentimento descomprometido:

Amigos cento e dez, e talvez mais,
Eu já contei.Vaidades que eu sentia!
Pensei que sobre a terra não havia
Mais ditoso mortal entre os mortais.

Amigos cento e dez, tão serviçais,
Tão zelosos das leis da cortesia,
Que eu, já farto de os ver, me escapulia
Às suas curvaturas vertebrais.

Um dia adoeci profundamente.
Ceguei. Dos cento e dez, houve um somente
Que não desfez os laços quase rotos.
- «Que vamos nós (diziam) lá fazer?
Se ele está cego, não nos pode ver" –
Que cento e nove impávidos marotos!

Este magnífico soneto e a visão que apreendi da sociedade confirmam que a amizade só existe quando despida de qualquer interesse. Mas, como a sociedade está estruturada em interesses vários… é, quase sempre, um caso perdido este extraordinário sentimento da amizade! 

Fotografia:          Google Imagens

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