terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Quem só sabe de medicina ...




                                                                           Foto: Carlos Carvalho        

Um dia, tive a sorte de aceder à obra literária de José Rodrigues Migueis e de ler o seu opúsculo «Um homem sorri à morte com meia cara». 
Muitas vezes, em intervenções sobre a administração da saúde, lembrei a experiência e as palavras deste escrittor para abordar a questão da humanização nos ambientes de saúde.
Naquele livro, o autor retrata a sua experiência, como doente neurológico, num grande hospital universitário dos EUA, onde residia. 
Ali, sofrendo de uma hemiplegia, sentiu na pele a arrogância doutoral de um médico que, imaginando-o um caso perdido, o exibia, de forma soes, aos seus alunos, como se tratasse de mais um número na estatística da morbilidade hospitalar.
Mas, José Rodrigues Migueis, descreve a forma generosa, amável e acolhedora de que foi alvo por parte das jovens enfermeiras. Ou seja, na descrição do tempo que passa naquele hospital, o autor faz o contraponto da visão desumanizada da medicina, pela mão do médico, e a entrega generosa, sorridente e carinhosa do grupo de enfermeiras.

Ainda hoje é assim em muitos ambientes do sistema de saúde português. 
Sente-se uma maior ênfase de arrogância médica e uma proximidade profissional no cuidar, que, em geral, o pessoal de enfermagem pratica.
Na minha recente experiência de internamento, de cerca de oito dias, observei esta dualidade comportamental: quase nem fui olhado pela equipa médica que, após três dias, me visitou no internamento. 
E a novidade que me deixaram, com notada indiferença, foi a de que «nos próximos dias será operado!».  

Ora, perante esta falta de ética na comunicação com o doente, para se perceber a razão da espera e a razão de estar há dias num sofrimento inglório e não haver, ainda, uma data para a cirurgia, apenas esbocei um sorriso irónico. Estava numa situação que não permitia qualquer outra reacção, sob pena de tudo descambar para um indesejável descontrolo.
Não perceberam, ainda, aqueles três sujeitos, o vector fundamental no correcto exercício da medicina: a comunicação com o doente para o informar, quer sobre o seu estado de saúde, quer das perspectivas de tratamento.
Na sua formação académica, não aprenderam o essencial: que a palavra é a principal ferramenta do médico. Nem interiorizaram a mensagem de um dos seus insignes mestres, Prof. Doutor Abel Salazar, - «Quem só sabe de medicina, nem de medicina sabe!».

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