sexta-feira, 23 de maio de 2014

Ourador-sur-Glane – os limites da ignomínia



Pernoitamos em Rochefoucauld, uma pequena vila a caminho de Limoges. Admiramos o seu ex-libris – o castelo que se ergue na colina norte e domina toda a paisagem. 
O rio que lhe beija os pés aumenta-lhe a mística do encanto de outras eras.
No dia seguinte, bem cedinho, rumamos para Oradour-sur-Glane, onde chegamos pelas 09.30 da manhã. 
De imediato, dirigimo-nos para o Centro de Memória que honra os heróis do massacre de 10 de Junho de 1944, perpetrado por 200 alemães das SS nazi.  
No final da guerra, as ruínas foram mantidas pelo governo francês, liderado pelo Presidente, Charles de Gaulle, como memória desse crime e símbolo do sofrimento causado pela ocupação nazista.

O que nos é dado observar é uma tragédia sem razão. E as palavras para descrever o sentimento que nos invade fogem de nós como que envergonhadas por crime tão bárbaro.
Imaginem uma vila francesa com mais de 600 habitantes, 180 dos quais eram crianças. 
Imaginem que, a propósito de uma qualquer acção da resistência francesa ao ocupante nazi, uma força de cerca de 200 soldados, das temíveis SS nazis, decide cercar a vila pelas 14.00 horas do dia 10 de Junho de 1944.
Imaginem que todos os habitantes foram chamados para a rua e, após um breve interrogatório, os homens são executados em frente das suas casas. 

Imaginem que as mulheres e as crianças são arrastadas para o interior da Igreja da Vila, sob o pretexto de serem melhor protegidas. 
Imaginem que a Igreja é encerrada e é incendiada e que, quem ousasse fugir daquele inferno era, de imediato, executado.
Imaginem que, depois dos homens, mulheres e crianças serem executados, os militares alemães entraram em cada casa, pilhando tudo o que tinha valor e executando aqueles que, ou por medo, ou por doença ou, ainda, por velhice, não puderam ou não quiseram sair de suas casas.


Imaginem que a maior parte dos edifícios de Oradour foram destruídos após o massacre da população. 
Imaginem que, ao todo, nessa fatídica tarde foram executados 642 habitantes de Oradour-sur-Glane. 
E que apenas se terá salvado uma mulher que conseguiu escapulir-se da Igreja sem que fosse vista e alguns residentes que naquele dia não se encontravam na Vila.
Depois disto, o que dizer?
Como é possível cometer-se um massacre como o que aqui teve lugar? Que ideais e que demónios confluem numa direcção tão abjecta e inumana?
Por muito esforço que faça, não encontro respostas. 
Mas neste momento vem-me à memória outros massacres semelhantes de que muitos povos foram inocentes protagonistas. Entre outras atrocidades em vários países, não esqueço a que ocorreu na aldeia Moçambicana de Wiriyamu (Província de Tete), que foi totalmente arrasada e queimada e os seus habitantes todos chacinados por uma força do exército português, ao tempo da guerra colonial. 
O motivo e a barbárie foram semelhantes.
O memorial de Oradour-sur-Glane lembra com tristeza as maldades que o ser humano é capaz de fazer ao seu semelhante.
Ao calcorrear as ruas do que resta da antiga Village de Oradour, imaginei o curso da normalidade da vida de homens e mulheres, naquele mês de Junho, e a algazarra das crianças brutalmente interrompida pelo terror do hediondo regime da Alemanha nazi. 
E lembrei-me do que ouvira num recente documentário na TV sobre o holocausto dos judeus: o que mais impressiona não foi a desumanidade dos nazis, mas a humanidade daqueles homens e mulheres do exército alemão para com a sua família depois de tratarem os outros como trataram. Custa a compreender que tenha sobrado alguma humanidade familiar àqueles seres que tão barbaramente assassinaram, com requintes de cobardia e malvadez, milhões de inocentes.

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