quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

«E tudo o vento levou!»




 Sim, minha força está na solidão. Não tenho medo nem de chuvas tempestivas nem das grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite.
Clarice Lispector


Estava em baixa forma física e psíquica. Doía-lhe o corpo em tempo de frio e arrastava um estado de alma ocioso e apático. O sol de inverno, que se impôs nos últimos dias, tem sido insuficiente para lhe levantar o ânimo. 
Há meses que exibe o semblante mais sombrio e melancólico, como se tivesse desaguado numa qualquer rua da inquietude. O seu espírito, esse enigma maior do ser humano, parece perdido num turbilhão de emoções que não consegue decifrar.
As memórias doutro tempo, que lhe assolam o pensamento, pressagiam um furacão de marés cheias de soturnidade. E acha que já não lhe sobra tempo para regressar aos afectos perdidos.
Anda tão absorto e tristonho que parece ter perdido o rumo à navegação. E já não reage às quimeras que lhe moldavam o carácter e às utopias que sugeriam o destino. Presume ser chegado o tempo de ir de contra o vento e pressentir o rosto fresco e salgado pelos sons do mar. E busca conforto nesses eternos silêncios.
Durante os dias de chumbo, não almeja guarida segura. Persegue, solitário, os horizontes de cores quentes na demanda de afeições que já não vislumbra. E acompanha, com nostalgia, os absurdos diálogos que tecem a manta de retalhos da sua vivência em comunidade. Que lhe parece resumir-se ao nobre título «E tudo o vento levou!».

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