«É a angústia que gera a arte»
Paul Auster
Já há uns bons tempos que vos apresento Narciso nas suas deambulações pelas memórias da vida.
É um tipo deveras singular, que incorpora um certo encanto do passado em contraponto com o persistente desassossego em relação ao futuro.
Sempre admirei este personagem franzino e de temperamento surpreendente. Admiro-lhe a temperança com que enfrenta a vida, sobretudo, nos últimos vinte anos.
Daí que continue a relatar as aventuras distantes e os portos de abrigo que foi descobrindo, amando e menosprezando.
Na senda do que profetizou Paul Auster, também Narciso necessita regressar, de quando em vez, à nostalgia do silêncio para transmitir as emoções quentes que tomam conta dele. Sobretudo, no outono da vida e das estações.
É fácil perceber esse estado de espírito, quando o recordo a caminhar, ensimesmado, pela orla da rebentação do oceano, com os pensamentos a tira-colo e o olhar fixo nos horizontes passados e futuros.
O Narciso era interiorizado até à medula e o convívio com ele não era fácil. Entediava-se com conversa fiada e, por vezes, tornava-se antipático com o seu interlocutor, principalmente, quando o assunto roçava a banalidade.
Como companheiro de jornada, foi sempre de uma cumplicidade extrema. E deixa saudades as incontáveis horas sonhadas a palrar sobre a vida, a contornar obstáculos e artimanhas dos «amigos da onça» e, mais recentemente, o tempo gasto na preparação, ao milímetro, de viagens vividas com eufórico entusiasmo.
Nos últimos anos, ocupava muito do seu tempo no estudo da ciência que mais o fascinava, a astronomia.
Percebia-se que andava confuso com o novo mundo revelado pela ciência, que faz tábua rasa das bases civilizacionais em que toda a humanidade tinha navegado ao longo dos séculos.
Mas gostava sempre de eleger para si a frase de Di Luchese:
«(...) quero morrer quando a fascinação não mais me surpreender (...)».
CG
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