Narciso visitava a «casa da mãe» amiúde. Era ali que semeava saudades e revivia memórias já bastante desbotadas.
Era nesse cantinho de emoções que passava parte dos seus dias, pois, ali pressentia a vida num lampejo e relembrava tempos que julgou sempre intermináveis.
O destino empurrou-o, ainda menino, para a vivência de uma manhã submersa que lhe moldaria as asas do sonho. Só na juventude tardia é que o lar materno serviu de aconchego.
Do tempo de moleque restavam histórias dispersas e escassos momentos marcantes. Tinha deixado a aldeia, com tenra idade, por vários anos, sentindo-se, a partir daí, um estranho na terra que o viu nascer. O único apelo que sempre o acompanhava era o conforto dos afetos de sua mãe.
Porém, a vida tem destas coisas: de tantos herdeiros daquele torrão materno, haveria de ser o Narciso a adquirir aquela que tinha sido a zona de conforto de toda a vida dos seus progenitores.
No momento decisório veio-lhe à memória emocionada a insistência de sua mãe para que mantivesse aquele lar no seio da família.
Depois de umas obras de melhoramento, Narciso começou a dedicar mais tempo àquela moradia, deleitando-se com a paisagem de assombro que dali se avista, com o pomar que plantou e com a pequena horta onde sua companheira de vida se dedicava à modesta produção de frutos vermelhos e hortaliças comuns.
Ocasionalmente, Narciso arrebatava-se nesse refúgio de saudade. E, não raras vezes, pelo entardecer soalheiro dos dias longos, levitava por sobre a paisagem iluminada da Veiga, até à cidade grande, ouvindo os sons notívagos e divagando pelo tempo que tinha ficado lá atrás.
Era assim que se sentia mais perto do rosto terno e sereno que sempre lhe acalmou a alma nos tempos de maior inquietação.
Tal como escreveu Clarice Lispector, «A saudade é a prova de que o passado valeu a pena».
CG