quarta-feira, 21 de julho de 2021

Fado da noite

 

«Sim, minha força está na solidão. Não tenho medo, nem de chuvas temprestivas, nem de grandes ventanias soltas, pois, eu também sou o escuro da noite».

Clarice Lispector in «A hora da estrela»



Sentia-se meio perdido por entre reminiscências de anos submersos em abismos proibidos. 

E divagava por entre sombras que tinham ficado lá atrás, preferindo um olhar mais macio do porvir.

Narciso suspendeu aquele instante para cismar o momento numa singular calmaria. 

Sabia que o rumo em que se movia ia-se desfazendo em pó há um bom tempo;

Vivenciou a vertigem do desassossego pela inquietude em que se achava mergulhado. 

O sufoco das vigilias soturnas teimava em povoar-lhe a memória desfeita em vento.


Nos últimos tempos, Narciso mostrava-se prenhe de silêncios nocturnos, de vivências falhadas e de medos sem futuro. 

A quimera que se esvaia em espuma acrescia-lhe inquietações que o retiam num entusiasmo descontente. Dia após dia!

Ansiava pelo retorno às manhãs bonanceiras de sonhos derramados numa vida sem regresso. Mas temia que já fosse tarde demais, pois, parecia que o fado da noite se tinha colado à sua pele. 

Até quando?

C G



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