Era um dos principais objectivos da viagem: a
visita aos campos de extermínio humano de Auschwitz-Birkenau. Um local que,
seguramente, não deixa ninguém indiferente!
Desde Carcóvia – onde pernoitamos – até Auschwitz,
fizemos cerca de 60 kms.
Na aproximação a esta pequena localidade da Polónia
(Oswiecim) choveu ligeiramente e o céu apresentou-se carregado de nuvens
primaveris.
As florestas que ladeiam a estrada, bem verdejantes,
pareciam tristes: O nevoeiro que se formou e os pensamentos que me assaltaram
naquele percurso tornaram o ambiente bem mais carregado e soturno.
Começamos por visitar o Campo de Concentração de
Auschwitz, onde pudemos compreender melhor a máquina de morte, montada pelos
nazis, numa dimensão de terror inimaginável.
Um holocausto pensado ao pormenor
por um regime déspota e hediondo.
É impossível esquecer os espaços envidraçados onde
se acumulam milhares de sapatos das crianças que as SS gaseavam, e os cabelos
de mulheres cortados minutos antes de serem introduzidas nas câmaras de morte.
Arrepia imaginar as sub-humanas condições de
higiene, quer na acomodação dos prisioneiros nos barracões em espécies de
beliches colados uns aos outros numa sequência que retirava qualquer ilusão de
privacidade.
Mas também os espaços destinados à satisfação das necessidades
fisiológicas eram aviltantes para seres humanos: várias filas de buracos e uma
vala colectora de dejectos por debaixo deles, o que tornaria o ambiente fétido
e nauseabundo.
Arrepia saber que milhões de pessoas foram
mantidas em condições terríveis, passando fome e frio, cheias de doenças,
submetidas a regimes duríssimos de trabalho e tratados como animais até que
chegasse a sua vez de morrer.
Arrepia toda a máquina de morte que diariamente se
alimentava dos indesejados pelo regime.
Arrepia, sobretudo, fazer um exercício
de retrospectiva e não encontrar razões para toda esta barbárie, que foi
cometida, anos a fio, sem que o mundo se apercebesse.
A entrada dos comboios de deportados bem dentro do
Campo de Concentração, o arame farpado que o cercava e as torres de vigia em
cada cem metros, esmorecia qualquer pretensão de fuga.
Uma vez ali chegados, a
maioria dos idosos, mulheres e crianças era conduzida para a secção de morte
por gás e, posteriormente, cremados em fornos que funcionavam continuamente.
Aqui foram assassinados cerca de um milhão e cem mil judeus, juntamente com
mais algumas centenas de milhares de outras minorias étnico-religiosas,
deficientes, homossexuais e opositores políticos do regime.
Ao longo da minha vida, vi filmes e li muito sobre
a II Guerra Mundial e sobre os crimes cometidos pela Alemanha nazi.
Mas estar
aqui, ver objectos que pertenceram a prisioneiros assassinados, ver os
barracões com aquelas espécies de camas, num ambiente sufocante e imundo, ver
as condições de higiene sub-humanas, ver tudo isto e muito mais, é constrangedor
e opressivo.
É medonha a sensação que sinto de «presenças»
desse tempo, avivada pelos milhares de fotos de prisioneiros exterminados.
A
crueldade, aqui cometida, foi desumana porque nos choca compreendê-la como
fenómeno humano.
Como foi possível que Hitler tomasse o poder na
Alemanha, instaurasse um regime de terror e desencadeasse a mais mortífera
guerra da História?
E, se atentarmos na tese religiosa, como se poderá
sustentar que, como reza a Bíblia, «o homem foi feito à imagem e semelhança de
Deus»?
Edgar Morin, escreveu, numa das suas obras, que
nós, seres humanos, «somos "homo sapiens", porque somos
racionais, produtores de conhecimentos e de muitas outras coisas, mas
somos também "homo demens",
porque somos capazes das maiores loucuras».
De facto, só a demência pode
estar no centro deste comportamento cruel e hediondo do nazismo.
Da visita a Auschwitz-Birkenau guardo a lembrança
inapagável das horas de angústia que ali passei naqueles campos medonhos, hoje
transformados em museus.
Não será por acaso esta dificuldade que sinto em
encontrar palavras para expressar emoções e ideias.
Porque Auschwitz, museu que
ilumina facetas obscuras da degradação humana, coloca-nos perante a quase
impossibilidade de transmitir o que se sente ao descobrir o que ali aconteceu.
Impressionou-me a presença de muitos jovens, de
várias nacionalidades, em visitas de estudo, o que contribui para que a memória
da barbárie perdure nas consciências e no tempo.
Comoveu-me, particularmente, a
postura de um grupo de jovens israelitas, cada um empunhando garbosamente a
bandeira do seu país, entoando cânticos de fé, num recolhimento de respeito
pelos seus antepassados que ali foram barbaramente assassinados.
Passados que estão cerca de 70 anos deste crime
contra a humanidade, é importante que estes campos de extermínio, como tantos
outros semeados pela Europa central, sejam visitados pelas gerações do presente
e do futuro, para que nunca seja esquecido o que o homem foi capaz de fazer ao
seu semelhante.
E para que a memória desta imensa barbárie perdure!
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