segunda-feira, 16 de maio de 2011

Por uns cêntimos …

Desde o início da minha actividade que, à entrada da empresa onde trabalho, vejo um homem franzino, de olhar arredio e sorriso perturbador, sempre solicito a dar os «bons dias» ou as «boas tardes» aos transeuntes. Um ser frágil e demasiado submisso perante tudo e todos. Facto que, cedo, me chamou a atenção.
Nos primeiros tempos, não valorizei a sua estadia diária naquele local, quer chovesse e estivesse frio, quer o estio castigasse a própria sombra. Ele ali permanecia de olhar atento aos que surgiam na entrada do complexo empresarial como que implorando um simples olhar que lhe permitisse acenar com a cabeça e confirmar a saudação do momento.
Com o tempo, foi ganhando confiança que lhe permitia vaticinar, a todos os passantes, sobre o clima que fazia ou que estava anunciado. Sempre respondi aos cumprimentos. Até que um dia aquele homem surpreendeu-me com a tirada: «- São horas do trabalhinho não? O senhor doutor é médico, aí?». Não lhe respondi por considerar, no momento, que tinha ousado entrar na minha identidade, facto que considerei abusivo. Mas arrependi-me, quase de seguida, da forma, algo prepotente, como tinha agido. Mas o momento tinha passado!
Só mais tarde dei conta do que fazia por ali aquele pobre homem. Porque lhe reconhecia um olhar mais atento nas bicicletas ou motorizadas que estacionavam junto dele. Era o guardião daqueles veículos de duas rodas em troca de uns parcos cêntimos. Todos os dias lá está, sempre na ânsia de que chegue mais um, como o caçador que percorre montes e vales no encalço de conseguir uma ou outra perdiz que justifique o esforço.
A escassos metros de distância, avista-se um espaçado parque de carros onde os arrumadores, organizados por turnos, não têm mãos a medir na ajuda ao estacionamento e à cobrança da respectiva moedinha.
Entre o seu pequeno mundo e o que vê à sua frente existe uma enorme diferença, quer na actividade, quer nos resultados obtidos. Também ali a vida se mostra injusta e a sociedade oferece oportunidades diferentes. Afinal, aquele contexto não é mais que o espelho da sociedade capitalista em que vivemos.
Há mais de três anos que vejo aquele homem e não tenho memória de algum dia ter faltado àquele compromisso de guardador de veículos de duas rodas, qualquer que seja a cara do tempo. Por vezes, encontro-o a tremelicar de frio quando os rigores do inverno se manifestam. Outras, vestido de uma surrada t-shirt para melhor se proteger dos sufocos do verão.
Não poucas vezes, imagino aquele homem a contar os cêntimos amealhados no final de cada dia. Certamente que não gastará muito tempo a fazê-lo. Mas será sempre de sorriso aberto que, no dia seguinte, estará no seu «posto de trabalho».

Carlos da Gama
                      Foto: Google Imagens

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