terça-feira, 24 de maio de 2011

A quimera do Tio Quico

 
O poema que mais inspirou a minha juventude, e que me fascinou até aos dias de hoje, é da autoria de António Gedeão e tem o título de «Pedra Filosofal».

Sempre que a nostalgia toma conta de mim e sinto a alma mais aprisionada pelos casos da vida, a leitura dessa epopeia literária ou a audição da musicalidade que lhe emprestou Manuel Freire, deixa-me com maior serenidade e renova-me a vontade de viver.

É impressionante como umas simples palavras, quando estruturadas em pensamentos de sonho, conseguem fazer-nos viajar do passado ao presente, na direcção do futuro. Este belo poema incute-me força de aventura e conduz-me para novos estádios de alma de que tanto estou precisado. Porque, julgo saber, o conceito de sonho traz a magia aconchegada em horizontes de liberdade!

É da natureza humana esta procura incessante pela quimera do sonho. E a vida sem este espaço de liberdade acaba por não ter qualquer sentido. Porque é lá que se pode encontrar a felicidade tão procurada pelo cidadão comum.
A frase cimeira do poema de Gedeão – «Eles não sabem, nem sonham, que o sonho comanda a vida!» – condensa, a meu ver, toda a mensagem de utopia que justifica a existência humana.

Ainda menino, assisti a um episódio fantástico que me encantou a ponto de o lembrar ao longo da vida. Após um dia de tempestade invernal, com chuva forte e abundante trovoada, uma descarga eléctrica atingiu um eucalipto de grande porte, deixando-lhe a ramagem completamente carbonizada.
Na época, acreditava-se que as faíscas ou relâmpagos eram compostos por um metal muito valioso e que quem o encontrasse ganharia um bom dinheiro. Nesse tempo era grande a escassez de recursos e inexistentes as oportunidades profissionais. As carências económicas manifestavam-se não só na precariedade das habitações como a nível da alimentação e vestuário. A pobreza extrema da grande maioria dos cidadãos era um terreno propício à fermentação de sonhos impossíveis.

O Tio Quico, homem simples e afável, que preencheu de afectos a minha infância, abeirou-se do local onde tinha caído o raio e começou a cavar um enorme buraco perseguido pela quimera do sonho. Cavou, cavou e cavou … até que a ausência de quaisquer vestígios, que lhe acrescentasse mais ânimo, o obrigou a desistir. Tanto esforço para nada! Foram muitas horas de expectativas sonhadas e de ilusões acalentadas.
A pouco e pouco, vi-lhe o brilho do olhar a apagar-se e a auto estima inicial a dar lugar a uma desilusão sofrida. Sei bem que, como diz o poeta, «o sonho comanda a vida!». E sei, também, que não existe dor maior que a de sentir os sonhos esboroarem-se.

Aquela jornada tinha sido levada a cabo com o mesmo espírito de aventura e de expectativas que veste o ânimo dos garimpeiros do nosso tempo. Pelo que deve ter sido muito duro para aquele homem ter desistido de concretizar as utopias. De qualquer modo, a vida do Tio Quico regressou à normalidade feita de pobreza conformada.
Mas tenho para mim que, apesar do resultado falhado, terá valido a pena o esforço. Porque foi construído num tempo de fermentação de expectativas sonhadas. E sonhar faz bem à alma. Nem que seja por tempo escasso e por causas impossíveis.

Carlos da Gama
                      Foto: Google Imagens

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