domingo, 5 de junho de 2011

democracia em viagem ...

Lembro, ainda com nítida memória, o enredo da obra-prima de Jorge Amado: «Gabriela, Cravo e Canela». Um retrato histórico do poder dos coronéis do interior do Brasil que tudo comandava e a todos controlava.
Portugal, nos idos anos setenta do século XX, parava na hora de passar mais um episódio daquela telenovela.
E foi com ela que o país aprendeu a saborear a doçura do sotaque brasileiro e a melhor admirar as paisagens e o modo de vida das gentes daquele imenso e belo país de língua portuguesa.
É na terra dos coronéis da ditadura que um candidato da oposição ganha uma eleição renhida para perfeito da cidade.
A sua campanha, ao longo de muitos meses, foi fundamentada na crítica mordaz aos costumes impostos pelo regime autocrático vigente, acolitado por capangas que lhe asseguravam a administração dos vários serviços na ponta da baioneta.
Nunca ninguém tinha ousado enfrentar o poder naquelas paragens. E anunciava-se uma derrota daquele jovem, prenhe de sonhos para mudar o mundo.
Foi essa visão moderna da gestão de uma região e a denúncia dos ditames de uma ditadura de décadas, sustentada pelo medo e absoluta subserviência, que foi abrindo algumas tímidas brechas no sistema. A ponto de, com o passar do tempo, o jovem opositor conseguir virar as intenções de voto e ganhar a eleição contra tudo o que, de início, se poderia pensar.
Entretanto, na noite que antecedeu a eleição, acontece a morte natural do velho coronel, facto que facilitou a passagem pacífica do testemunho político para a oposição.
Mas o que mais me impressionou naquele duelo foi verificar que, após a eleição do novo perfeito, este passa a aceitar os cumprimentos de subserviência que tanto criticava ao seu antecessor.
E arrepia ver, nas últimas imagens daquela telenovela, a pose do novo rosto do poder a aguardar, da população, o beija-mão acompanhado da respectiva vénia genuflectora. Um sinal de que quase nada tinha mudado!
Ou seja, apesar da esperança de uma nova postura e visão da administração do poder, estávamos perante a mesma realidade política e social, embora com novos protagonistas. Dir-se-ia, como diz o povo, que apenas tinham mudado as moscas!

Vem isto a propósito da eleição para a Assembleia da República que hoje tem lugar neste meu pobre país. Votar é uma opção. Por vezes, uma obrigação. Quase sempre uma frustração.
Depois do voto, mudam os protagonistas para uma mesma realidade. O que mais importa aos vencedores é ficar no lugar dos vencidos, se estes detinham o poder.
Depois… bem, depois é a força das vontades, dos lobbies e dos interesses a ganhar terreno, quase sempre!
E a hipocrisia manifestada pela maioria dos cidadãos: em qualquer local onde se constate a mudança, todos assumem-se vencedores no dia seguinte. Todos confirmam que votaram na nova tribo. E lá estarão a exigir a recompensa.
Contava-me, há alguns anos, um amigo, vencedor da eleição para presidente de um município do interior que, no dia seguinte à vitória, a frase que mais ouvia era: - «Agora é a nossa vez!», numa alusão de assalto ao poder.
A democracia transformou-se num negócio quando passou a ser facturada. Infelizmente!

Carlos da Gama
                                      Fotos: Google Imagens

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