terça-feira, 7 de junho de 2011

O mais importante …

Foi durante a minha estadia em África, como militar na guerra colonial, que li a admirável obra de Dostoievski, «Crime e Castigo». Foi uma leitura feita em época de forte invernia, com dias de chuva copiosa e intensa. Foi nesse tempo que eu receei a fúria das trovoadas tropicais, manifestação da natureza tremendamente zangada e rabugenta. As descargas eléctricas eram tão fortes e contínuas que, não raras vezes, accionavam os dispositivos eléctricos de defesa militar do aquartelamento. Por isso é que, sempre que me surge o nome de Dostoievski, sinto a memória desse cenário, de grande turbulência da natureza, a aprisionar-me a alma num sufoco ainda difícil de suportar.
A leitura desse clássico impressionou-me a ponto de me deixar um retrato vivo dos rigores da época das chuvas equatoriais embrulhadas na carga dramática do enredo criado pelo grande escritor Fiodor Dostoievski.
Em termos gerais, o livro conta a história de um jovem estudante que se envolve num crime, por uma recompensa ridícula, e acaba enredado num universo psicológico de auto flagelação e de grande ansiedade resultantes do acto hediondo que cometera. Percebe-se, pois, que a meteorologia tenha ajudado a melhor se perceber as angústias do protagonista da história, de cujo final se adivinhava ainda mais dramático.
Não existe pior castigo do que o sofrimento psicológico provocado por uma qualquer atitude de maior ou menor consciência social. No caso descrito por Dostoievski, estava em causa um monstruoso assassinato que nada poderia ou deveria justificar.
Porém, outras situações existem na sociedade que se iniciam em contextos sadios e inofensivos mas que, com o passar do tempo e influências perversas, acabam por se transformar em gigantescos pesadelos e insuportáveis sofrimentos de alma. Sobretudo quando é colocada em causa a honra e a dignidade do ser humano.
Os sofrimentos do espírito são os mais difíceis de suportar, como muito bem afirmava um dos meus escritores preferidos: Antero de Quental. No entanto, quase sempre a vida ensina-nos que os episódios estranhos têm sempre uma razão de ser.
Por vezes, parece que o mundo desaba toda a sua energia negativa sobre o cidadão desprevenido que se vê fortemente esmagado e condicionado na gestão das rotinas a que se habituara. Esse é o tempo em que a alma sente-se cercada e com dificuldade em se libertar. É o tempo em que a angústia faz o seu caminho de sofrimento e expectativa. É o tempo em que se segrega uma maior receptividade de se partir para contextos de maior serenidade. É o tempo…
Mas é, também, o tempo de desviar a atenção para outros horizontes de vida. De ter um olhar mais sereno para aspectos sedutores da nossa existência, de que sempre estivemos alheios. De relativizar os acontecimentos à nossa volta em face do que tem real importância na vida. De dar valor às coisas simples que nos rodeiam e às pessoas que nunca nos abandonaram.
E de olhar o mar, sempre que possível! Para nele mergulhar tudo o que nos condiciona a liberdade de espírito e voltar a aspirar a magia de viver. Porque, como escreveu o poeta e ensaísta, Oliver Holmes, «O mais importante da vida não é a situação em que estamos, mas a direcção para a qual nos movemos».

Carlos da Gama
                      Fotos: Google Imagens

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