quarta-feira, 8 de junho de 2011

memória de afectos …

Das situações que me deixam mais curioso, quando me desloco aos hipermercados, é a quantidade de pessoas que se instalam na área de venda de livros e revistas.
Quase todas estão ali, não porque pretendam adquirir qualquer daqueles produtos mas, tão só, para ler as últimas novidades da «socialite», dos enredos das telenovelas, dos casos do dia que estão na moda e de um ou outro livro mais «na crista da onda».

Aqueles espaços, apesar de pouco rentáveis a nível económico, são suportados pela gestão das superfícies comerciais na convicção de que os «clientes» acabarão também por efectuar outras compras imprescindíveis ao seu estilo de vida.
Acredito, também, que, por detrás desta tolerância, exista algum espírito de mecenas nestes contributos que as superfícies comerciais oferecem à sociedade, proporcionando que alguns cidadãos tenham um acesso gratuito ao que se passa no mundo em que vivem e possam viajar pelos temas culturais da sua preferência.
Mas esta realidade é, por si mesma, um sinal dos tempos difíceis em que vivemos. Com orçamentos familiares cada vez mais diminutos, a opção das pessoas é de reduzir despesas no que consideram mais supérfluo.
Embora isso constitua um enorme paradoxo: pois é com a cultura que um país progride e a cidadania se exerce na plenitude. Daí que o Estado deveria ter uma redobrada atenção na facilitação do acesso à aquisição de livros e revistas. Porque isso representaria uma aposta no futuro da sociedade.

Lembro bem da emoção que a minha mãe manifesta quando fala do seu tempo de juventude em que o único recurso para conseguir ler um livro era a biblioteca itinerante da Fundação Calouste Gulbenkian que, durante muitos anos, percorreu o país de lés-a-lés, especialmente em aldeias onde o acesso aos livros e à leitura era inexistente.
É enternecedor ouvir as suas memórias quando fala dos livros que lhe marcaram a vida: A história do Marquês de Pombal, os Miseráveis, a Rosa do Adro, as Pupilas do Senhor Reitor e os Maias, entre tantos outros clássicos portugueses.
É com manifesto orgulho que recorda que o tempo para dedicar à leitura era escasso, pelo que aproveitava as gravidezes e os pós-parto para devorar os livros que religiosamente guardava. Talvez não tenha sido por acaso que tenha colocado no mundo uma dúzia de filhos. Eram, tempos difíceis, aqueles!
Um gosto manifestado, ainda hoje, na avidez com que se entrega à leitura. Quando a visito, encontro-a, quase sempre, rodeada de revistas e do jornal que diariamente lhe é trazido a casa. Daí que esteja a par de tudo o que se passa no mundo. E os seus 87 anos não a impedem de abordar os temas da actualidade e de opinar sobre os mesmos com conhecimento de causa!

Na época, a escolaridade não era obrigatória e todo o tempo era dedicado a cuidar da vida. Daí que o analfabetismo grassasse no meu país.
Ouvi, vezes sem conta, da minha avó materna a confirmação de que a Maria – é esse o nome da minha mãe – fugia para a escola pelo gosto de aprender a ler e a contar.
É com grande satisfação que, convictamente, afirmo que a minha mãe é uma das mulheres da minha vida. Porque sempre soube estar à frente do seu tempo. Apesar das limitações económicas da família, nesse passado já longínquo, procurou que os seus filhos olhassem mais longe e incitou-os a basear o seu futuro na formação e na defesa dos valores que enformam a sociedade.
Carlos da Gama
                      Fotos: Google Imagens

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